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O Programa de Estabilidade

Quinta, Abril 19, 2018 - 16:07
Publicação
Jornal de Negócios

Infelizmente, o Governo optou por fazer o exercício meramente formal de preencher os mapas anuais relevantes no horizonte até 2022 sem apresentar nenhuma medida de consolidação orçamental.

O Programa de Estabilidade 2018-2022 (PE 18-22) existe para que o Governo planifique a médio prazo a estabilização da economia portuguesa.

No nosso contexto isso significa planear a melhoria da sustentabilidade das finanças públicas, do sistema financeiro, e ainda do endividamento total da economia.

Aferir os vários tipos de balanças anuais - o défice público, o défice externo, a balança financeira, a poupança - é uma forma de credibilizar a viabilidade das opções anuais de política. Acima de tudo da política orçamental.

Nesta perspetiva o PE 18-22 deveria centrar-se na articulação das linhas gerais das medidas de finanças públicas que o Governo pretende implementar nos próximos quatro anos. Sim, quatro anos, já que as medidas de 2018 já foram devidamente aprovadas em sede de Orçamento do Estado.

Infelizmente, o Governo optou por fazer o exercício meramente formal de preencher os mapas anuais relevantes no horizonte até 2022 sem apresentar nenhuma medida de consolidação orçamental.

Somos mais uma vez vítimas da ambiguidade do Governo. Por um lado, o Governo não esboça quaisquer linhas de medidas para os anos 2019 e seguintes. Poder-se-ia concluir do texto do Programa de Estabilidade, portanto, que o Governo não irá tomar medidas de consolidação orçamental. Ou seja, o Governo parece acreditar que a evolução normal da economia é suficiente por si só para resolver os problemas de estabilização da dívida pública portuguesa. Nesta versão da leitura do Programa de Estabilidade não há mais medidas de consolidação orçamental porque não são necessárias. E a mera normalização cíclica da economia resolverá os problemas de finanças públicas entre nós. E também do endividamento externo.

Há, porém, outras leituras. O Governo escreve no Quadro II.2.3 do Programa de Estabilidade que a variação do saldo estrutural será de 0,3 pontos percentuais do PIB potencial em 2019; 0,6 em 2020; 0,3 em 2021 e 2022. Ou seja, nos próximos quatro anos o Governo considera necessário tomar medidas permanentes que em termos acumulados representam 1,5 pontos percentuais do PIB potencial. Isso é bastante dinheiro, e eu tenho uma certa curiosidade em saber quais as medidas que permitirão obter essas poupanças. Na minha leitura do relatório não encontrei indicação do que poderão ser essas medidas. Nem no documento anexo, menos importante, com a Atualização de 2018 do Programa Nacional de Reformas 2016-22.

E esta é para mim a ambiguidade que causa perplexidade. O que é mais importante para o Governo que vai apresentar o PE 18-22? O facto de o documento não explicitar linhas de medidas no horizonte a quatro anos? Ou o Quadro II.2.3 que pressupões a existência de medidas que implementam o ajustamento estrutural apresentado? O Governo já planeou que medidas serão essas? Ou prefere não aplicar medidas nenhumas a menos que seja obrigado por terceiros para cumprir o ajustamento? No fundo, seria interessante saber se o compromisso do Governo é com as metas dos mapas ou com o texto do documento.

A forma como o Governo está a burocratizar a apresentação do Programa de Estabilidade representa a sua própria visão do assunto. A Zona Euro é que tem de se adaptar às especificidades da governação em Portugal. Não é Portugal que tem de cumprir os critérios do Tratado Orçamental.

Os ventos favoráveis da economia europeia podem tornar perfunctório a elaboração de um Programa de Estabilidade rigoroso e fiel aos seus objetivos de planificação de políticas orçamentais a médio prazo. Mas os sinais que damos sobre a forma como nos governamos serão lembrados no futuro pelas entidades a quem nós tornemos a solicitar ajuda financeira, se isso vier a acontecer outra vez.

 

João Borges de Assunção, Associate Professor da CATÓLICA-LISBON.

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