A centralidade no cliente deixou de ser uma opção estratégica para se afirmar como um fator crítico de desempenho. A evidência empírica acumulada ao longo da última década demonstra, de forma consistente, que organizações orientadas para o cliente crescem mais, são mais rentáveis e resistem melhor a contextos de crise — independentemente da sua dimensão ou sector de atividade.
Estudos internacionais indicam que empresas líderes em otimizar a experiência do cliente crescem, em média, entre 1,5 e 2 vezes mais rapidamente do que os seus concorrentes diretos. A Bain & Company demonstrou que um aumento de apenas 5% na retenção de clientes pode traduzir-se num acréscimo de rentabilidade entre 25% e 95%, dependendo do setor. Em paralelo, a Forrester revela que empresas com níveis elevados de satisfação do cliente apresentam maior propensão à recompra e uma redução significativa dos custos de aquisição, melhorando de forma estrutural o rácio entre valor de vida do cliente e investimento comercial.
Os exemplos práticos são elucidativos. A Amazon construiu a sua liderança global com base numa obsessão declarada pelo cliente, reinvestindo sistematicamente ganhos em conveniência, rapidez e personalização, adiando sucessivamente a distribuição de dividendos. Em contrapartida, a Sears manteve processos centrados na eficiência interna, perdendo mais de 80% do seu valor e tendo entrado em falência. A centralidade no cliente foi decisiva para crescimento sustentado de uma e destruição de valor da outra.
No sector da aviação, companhias que apostaram exclusivamente na otimização de custos, negligenciando a experiência do passageiro, viram a sua quota de mercado estagnar ou diminuir face a operadores que alinharam eficiência com foco no cliente. A Boeing é hoje um exemplo claro de perda de foco no cliente. No caso do 737 MAX, decisões orientadas para custo e rapidez sobrepuseram-se à segurança e à transparência com companhias aéreas e pilotos. O resultado foi a imobilização global da frota, 346 mortes, perdas superiores a 20 mil milhões de dólares e custos totais estimados acima de 30 mil milhões. No mesmo período, a Airbus passou a deter mais de 60% das novas encomendas, evidenciando uma perda significativa de quota de mercado da Boeing.
As empresas verdadeiramente orientadas para o cliente desenham processos a partir da jornada end-to-end, eliminam fricções e alinham métricas operacionais com indicadores de satisfação, retenção e valor económico. As pessoas desempenham aqui um papel determinante: colaboradores capacitados, com autonomia para resolver problemas, geram níveis mais elevados de satisfação e reduzem significativamente o churn.
Estas diferenças de desempenho têm origem, em grande medida, na forma como os processos e pessoas são desenhados e geridos. Organizações pouco centradas no cliente tendem a otimizar silos internos, criar uma cultura corporativa, gerindo processos rígidos, complexos e desconectados da experiência real. Pelo contrário, as empresas verdadeiramente orientadas para o cliente desenham processos a partir da jornada end-to-end, eliminam fricções e alinham métricas operacionais com indicadores de satisfação, retenção e valor económico. As pessoas desempenham aqui um papel determinante: colaboradores capacitados, com autonomia para resolver problemas, geram níveis mais elevados de satisfação e reduzem significativamente o churn.
No sector público, a lógica é semelhante, ainda que os resultados se expressem em termos de confiança, eficiência e legitimidade. Experiências internacionais mostram que serviços públicos centrados no cidadão conseguem reduzir custos administrativos entre 20% e 40%, ao mesmo tempo que aumentam os níveis de satisfação e adesão aos serviços digitais. Simplificação, clareza e orientação para o utilizador deixam de ser fatores soft para se tornarem critérios de boa governação.
A inteligência artificial surge como um catalisador desta transformação. Através da análise de grandes volumes de dados, a IA permite identificar padrões de comportamento, antecipar necessidades e personalizar interações em escala. As organizações que utilizam IA em contextos de atendimento e gestão da experiência registam ganhos de produtividade superiores a 30% e melhorias mensuráveis nos índices de satisfação. Importa, contudo, sublinhar que a tecnologia só gera valor quando integrada numa cultura genuinamente centrada no cliente, aliada a um exemplar desempenho humano sempre que requisitado.
Em síntese, a centralidade no cliente deixou de ser um “tema” de gestão para se afirmar como um critério de sobrevivência estratégica. Ignorá-la traduz-se, mais cedo ou mais tarde, em perda de quota de mercado, destruição de valor e quebra de confiança. Assumi-la como princípio estruturante significa alinhar dados, processos e pessoas para criar valor real — e é isso que distingue, de forma cada vez mais clara, as organizações que resistem das que lideram.
Pedro Celeste, Professor na CATÓLICA-LISBON