Por que razão um governo tão frágil se atreve a uma reforma tão polémica? Tratou-se de uma sua iniciativa exclusiva, que sabia ir desagradar à Esquerda e ter a oposição sindical. Qual o motivo real deste arrojo?

Esta greve não é, como se diz, um combate entre trabalhadores explorados e patrões exploradores, mas uma luta entre dois dos maiores poderes nacionais, o governo e as centrais sindicais, que não se conseguem entender e por isso sacrificam os verdadeiros pobres e discriminados, que ficam sem transportes e outros serviços.

No 11 de dezembro de 2025 Portugal vive uma greve geral, a primeira após o cinquentenário de Abril. Ao contrário das cinco precedentes, que se deveram à austeridade do período de 2010 a 2013, a razão é a mesma que justificou as três anteriores a essas: uma revisão das leis laborais. Além disso, como aconteceu em apenas quatro das dez, são ambas as centrais sindicais simultaneamente a convocá-la.

Apesar desta continuidade, este novo episódio tem alguns elementos estranhos. O primeiro é que todos os Governos que tentaram as mudanças nas leis do trabalho que justificaram greves tinham maioria parlamentar: Cavaco Silva em 1998, Durão Barroso em 2002 e José Sócrates em 2007. Desta vez o executivo é claramente minoritário. Por isso, a primeira questão que se coloca é por que razão um governo tão frágil se atreve a uma reforma tão polémica? Tratou-se de uma sua iniciativa exclusiva, que sabia ir desagradar à Esquerda e ter a oposição sindical. Qual o motivo real deste arrojo?

Todos sabem que a única hipótese realista de aprovação do pacote é o apoio da Extrema-direita parlamentar, algo que fragilizaria fortemente os partidos no poder e daria mais uma vitória aos extremistas. Deste modo, a estratégia envolvida é difícil de explicar.

Em segundo lugar, a greve geral foi convocada antes mesmo de começarem as negociações, considerando apenas a proposta inicial. Ou seja, os sindicatos ainda nem sequer sabiam a que leis se opunham e já tinha decidido que “é para rejeitar!” Isto dificilmente manifesta boa-fé no diálogo, o qual, a existir, terá de acontecer sob a sombra desta artilharia pesada.

No meio de todas estas manobras, o conteúdo concreto da proposta desaparece praticamente, até porque ele ainda está em fluxo, com novidades, cortes e acrescentos a cada passo.

Alguns aspetos são, no entanto, de referir. O primeiro é que a nossa legislação laboral é, há muitas décadas, inegavelmente disfuncional. Isso manifesta-se de forma ineludível nos sintomas aberrantes do mercado de trabalho. Antes de mais, Portugal tem, de longe, os salários mais baixos da União Europeia ocidental (com a exceção habitual da Grécia), com crescimento muito lento. Por outro lado, temos uma precariedade laboral das mais altas dos nossos parceiros próximos. A percentagem de trabalhadores com contrato a prazo, que foi durante muito tempo a segunda mais elevado, desceu recentemente, mas permanece ainda acima de todos os outros, exceto Espanha e Itália.

Este ponto particular tem interesse porque o principal argumento avançado pelos sindicatos é que este pacote “promove a precariedade”. Ora o que vemos é que, com a lei atual, Portugal tem uma das maiores precariedades da Europa ocidental. Será que o argumento é falso?

A justificação só fica clara quando olhamos para a principal disfuncionalidade do nosso mercado laboral: a existência de dois grupos estanques de trabalhadores. Por um lado, aqueles que gozam da proteção da lei, e que os sindicatos representam; por outro, os que andam na precariedade dos contratos temporários e falsos “recibos verdes”, a quem as regalias e defesas legais não se aplicam. Esses, que são jovens, imigrantes, pobres, nem têm dinheiro ou interesse em pagar a quota sindical. Quando os sindicalistas falam dos “direitos dos trabalhadores”, temos de entender que se trata dos direitos de alguns trabalhadores.

Neste sentido, os sindicatos têm razão ao dizerem que o pacote laboral vai aumentar a precariedade, porque naturalmente se referem apenas aos seus associados. Entrando em conta com aqueles trabalhadores que não interessam às centrais sindicais, e que vivem a precariedade completa, o quadro mudaria completamente de figura. Porque é bom lembrar, a razão da elevada fatia de contratos a prazo advém naturalmente da exagerada rigidez legal nos despedimentos que é, também ela, uma da mais elevadas da Europa. A precariedade funciona como simples válvula de escape de um bloqueio que, de outro modo, asfixiaria a economia.

Aquilo que nunca se refere nestas discussões é que, comparando a lei com os nossos parceiros europeus, os trabalhadores estrangeiros gozam de muito menos proteções que nós. Só que eles não parecem preocupar-se com isso, pois beneficiam de maiores salários e melhores condições de trabalho. E as duas coisas estão evidentemente ligadas.

Em conclusão, esta greve não é, como se diz, um combate entre trabalhadores explorados e patrões exploradores, mas uma luta entre dois dos maiores poderes nacionais, o governo e as centrais sindicais, que não se conseguem entender e por isso sacrificam os verdadeiros pobres e discriminados, que ficam sem transportes e outros serviços.

João César das Neves, Professor na CATÓLICA-LISBON