A IA parece ser melhor do que os humanos a criar valor subjetivo, isto é, a tratar as pessoas como pessoas. Será uma virtude da IA ou um problema dos humanos?
Em 1980, Robert Axelrod organizou um famoso torneio com base no Dilema do Prisioneiro que permitiu compreender melhor o valor da cooperação numa negociação. Para tal, desafiou profissionais da teoria de jogos, para cada um escrever um programa que, quando colocado em competição com outros programas, maximizasse o valor gerado para si próprio. O Dilema do Prisioneiro que foi usado consistia em dois jogadores A e B, cada um com duas jogadas possíveis, Cooperar ou Não Cooperar, sendo estas simultâneas, repetidas 200 vezes e independentes (ou seja, quando A decide, não sabe o que B decide, e vice-versa).
Os quatro possíveis resultados eram:
- Se A e B cooperarem, cada um recebe 3 pontos;
- Se A cooperar e B não cooperar, A recebe 0 pontos e B recebe 5 pontos;
- Se A não cooperar e B cooperar, A recebe 5 pontos e B recebe 0 pontos;
- Se A e B não cooperarem, cada um recebe 1 ponto.
Após todos os concorrentes jogarem todos contra todos, aquele programa que se destacou por obter o melhor resultado global (embora sem nunca vencer nenhum outro programa) tinha apenas duas linhas:
Coopere na 1ª jogada
A seguir faça aquilo que a outra parte fez na jogada anterior.
Esta estratégia ficou conhecida como TIT FOR TAT, apresentando quatro características diferenciadoras:
- Nice (simpatia) – Não seja o primeiro a “atacar”;
- Retaliatory (retaliação) – Retalie assim que o outro lado “atacar;
- Forgiving (perdão) – Retalie na mesma proporção;
- Clear (clareza) – Não complique, ajude o outro lado a perceber rapidamente a sua estratégia.
Avançando 41 anos, Jared R. Curhan, professor de negociação no MIT, decidiu refazer este torneio no início deste ano, desta feita com Inteligência Artificial (IA), role-plays negociais e participantes que não eram necessariamente especialistas em negociação. Participaram 253 pessoas de mais de 50 países (incluindo 3 portugueses), tendo cada um submetido um prompt negocial via ChatGPT com o objetivo de conseguir o melhor resultado possível em três role-plays: um puramente competitivo (se uma parte ganha a outra perde) e dois com potencial de criação de valor (as duas partes podem ganhar simultaneamente). Foram realizadas 120.000 negociações um para um, tendo os resultados obtidos por cada prompt sido avaliados em três dimensões:
- Valor captado (dimensão distributiva)
- Valor criado (dimensão integrativa)
- Valor subjetivo (dimensão interpessoal)
Entre os diversos resultados obtidos, destacam-se os seguintes:
a) A estratégia que obteve o pior resultado em termos de valor captado foi apelidada de “Ser Agressivo e Implacável” em que basicamente vale tudo para triunfar (mentir, enganar e manipular). Curiosamente, esta estratégia correu particularmente mal não só por conseguir maus acordos, mas por muitas vezes levar a um impasse (o outro lado abandona a negociação).
b) A estratégia que obteve melhor resultado em termos de valor criado foi apelidada de “Negociador Pro”, misturando Curiosidade, Estratégia e Persistência, numa lógica simultaneamente distributiva e integrativa.
c) A estratégia que obteve o melhor resultado em termos de valor subjetivo experimentado pela outra parte foi apelidada de “Terapeuta 2.0” em que primordialmente se recorre à escuta, à empatia, a perguntas de diagnóstico para tentar compreender os interesses da outra parte. Adicionalmente, esta estratégia também obteve excelentes resultados em termos de valor captado, incluindo para tal instruções para usar toda a informação obtida da outra parte para maximizar o valor captado.
d) A estratégia que obteve o melhor resultado global nas três dimensões avaliadas (valor captado, valor criado e valor subjetivo) foi apelidada de “NegoMate”, destacando-se pelo forte enfoque na preparação prévia e pela constante adaptação ao que vai acontecendo ao longo da negociação.
De tudo isto, sobressaem algumas conclusões muito interessantes para a teoria e prática negocial:
I. Podemos ser simpáticos e ter sucesso numa negociação (mesmo negociando com um robot);
II. Conselhos como “Seja simultaneamente competitivo e cooperativo”, “Separe as pessoas dos problemas” ou “Use empatia e assertividade” continuam a fazer todo o sentido;
III. Investir na preparação da negociação mantém-se crucial;
IV. Informação acerca dos nossos interesses e dos interesses da outra parte é essencial para criar valor para todas as partes envolvidas na negociação;
V. Por fim, uma conclusão algo perturbadora – a IA parece ser melhor do que os humanos a criar valor subjetivo, isto é, a tratar as pessoas como pessoas. Será uma virtude da IA ou um problema dos humanos?
João Matos | Professor da CATÓLICA-LISBON | Executives