Fomos habituados a pensar de forma estruturada, com dogmas mais ou menos fixos, a enquadrar e a encaixar. Vemos as organizações e a nossa vida profissional em quadrados: aquela organização, aquele setor, o meu departamento, a minha função, a minha equipa, o meu estilo de liderança. Esta geometria mental oferece segurança, mas também funciona como um mecanismo subtil de controlo: delimitamos para garantir previsibilidade.
Nesta lógica, imaginamos a realidade como um conjunto de vértices e fronteiras que podemos expandir ou encolher conforme o tempo, a experiência ou a necessidade. No entanto, o mundo atual desafia profundamente este olhar. A inteligência artificial questiona o que entendemos por conhecimento; as mudanças organizacionais parecem permanentes; e a própria noção de estabilidade é hoje quase ilusória. Resistir a este fluxo não nos protege: apenas nos faz sentir mais para trás.
O planeamento, seja organizacional ou pessoal, deixou de ser um exercício de projeção linear. Tudo emerge do que é dinâmico. Como lembra a física e filósofa Karen Barad, nada existe em separado: somos efeito e causa de relações que se atravessam continuamente. Não há exterioridade confortável. Estamos sempre dentro daquilo que criamos e daquilo que nos cria.
Esta forma de ler a realidade é particularmente relevante para quem lidera. Porque se estamos inevitavelmente envolvidos na produção do mundo que habitamos, maior é a responsabilidade de quem tem impacto sobre redes mais amplas. Quanto mais disruptivo e inseguro parece o contexto – muitas vezes pela ausência de informação suficiente ou pela falta de relação – maior é a tendência para erguer muros. Mas estes muros pertencem ao mesmo vocabulário dos quadrados: recortes de realidade que isolam, quando o que precisamos é de ligação.
Vemos estes quadrados sociais diariamente: o “nós e eles” entre gerações nas organizações; “emigrantes sim, mas não todos”; o “não tenho nada contra, desde que não seja perto de mim”; ou o “até tenho amigos assim”. São expressões que revelam fronteiras simbólicas e, por vezes, muito reais, que reforçam a criação de grupos fechados, câmaras de eco, que procuram reduzir o desconforto e aumentar a sensação de controlo, pela repetição e amplificação das narrativas. Narrativas que não são de articulação geral, mas de fronteira e de polarização, o que gera líderes que promovem e valorizam estilos semelhantes aos seus, frequentemente desajustados das necessidades e exigências do contexto.
Mas para navegar o presente e o futuro precisamos precisamente do contrário: menos barreiras, mais colaboração. Relação como método, não como exceção. É na interação que surgem criatividade e pensamento crítico, especialmente relevantes num tempo em que também precisamos de aprender a relacionar-nos com a inteligência artificial.
Falamos de diversidade e inclusão há anos, mas muitas vezes como narrativa mais do que prática. Quando decisões sobre minorias continuam a ser tomadas exclusivamente pela maioria, o problema não é apenas a decisão, mas o desconhecimento profundo da realidade sobre a qual ela incide. Envolvimento e empatia são capacidades de liderança e indicadores de boa gestão.
Se olharmos para a história, percebemos que o progresso nasce da troca: as rotas comerciais dos Descobrimentos, a relação entre criativos e investidores no universo das start-ups, o encontro entre mecenas e artistas. Nada disto é estático. Tudo se constrói na interação.
Assim, mais do que líderes que desenham quadrados e se instalam dentro deles, precisamos de líderes que compreendam que não há carreiras lineares, caminhos uniformes, nem estilos de liderança a atingir como se fossem destinos fixos. O desenvolvimento – o nosso, o dos outros e o das organizações – acontece no espaço do “vir a ser”, no território da descoberta, da relação e da experimentação. Não serei um bom líder “quando”; serei um bom líder “sendo”, todos os dias.
Duarte Silva, Development Manager Executive Education na CATÓLICA-LISBON