Acabamos um ano surpreendente com duas notícias altamente reveladoras: a primeira é o record que a China vai quebrar em 2025 - um superavit comercial com o resto do mundo que supera o $1Bilião. Atualmente, para além de (ainda) alguma tecnologia, petróleo e minerais e turismo, já não se percebe bem o que é que a China quer, ou precisa, de comprar ao resto do mundo.
A segunda é a publicação da nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, onde é referido que as políticas europeias levarão ao seu “esquecimento civilizacional” e onde os EUA parecem procurar uma mudança de regime(!).
Para a Europa, a máxima de que “se não jogas o jogo, não fazes as regras” parece premonitória. Como escrevi num artigo anterior, o mundo precisa da Europa, mas a Europa teima em não aparecer.
2025 foi por isso um ano de extremos. A China consolida a sua liderança de forma mais ou menos imperturbável, os EUA renegam tudo o que os fez grandes e a Europa regula a desregulação, tal Constantinopla, alegadamente a discutir o sexo dos anjos aquando da invasão otomana.
Esta descrição da situação político-económica tem um paralelo direto com as políticas de transição energética durante 2025. Dado o facto de as alterações climáticas serem um dos grandes problemas com que teremos de lidar agora e durante as próximas décadas, este paralelismo não é surpreendente.
Comecemos por analisar as boas notícias de 2025. Primeiro, os investimentos em energias renováveis – à escala mundial – têm crescido muito substancialmente. Estes investimentos duplicaram em três anos (para cerca de €2Billiões, 2% do PIB mundial) e já são também o dobro dos investimentos feitos em combustíveis fosseis. Esta dinâmica traz uma perspetiva de inevitabilidade à transição, o que é muito positivo.
Em segundo, a China submeteu este ano a revisão dos seus compromissos em termos de emissões líquidas de gases de efeito de estufa. Embora pouco precisas, este compromisso assume, pela primeira vez, emissões numa trajetória descendente já em 2035. Este dado é relevante, já que a China é, de longe, o maior poluidor mundial. O que a China faz, é por isso, muito relevante para o nível global de emissões. Muito deste compromisso passa por investimentos muito significativos em energias renováveis, e neste campo a China é também dominante, investindo mais do que a Europa e os EUA (mesmo antes da presidência Trump) juntos! O seu domínio nesta área parece imparável. Se mais fosse preciso, sabemos agora que as exportações de tecnologia limpa da China excedem as exportações de combustíveis fósseis dos EUA. Sinais do tempo.
Finalmente, outra boa notícia é podermos dizer que, 10 anos depois do Acordo de Paris, este trouxe mudanças significativas de políticas, comportamentos e uma redução significativa do aumento da temperatura esperada no futuro (mesmo em cenários mais graves). Estima-se que a falta de compromissos levaria a aumentos de temperatura em 2100 de cerca de 3.5ºC. Com os compromissos que saíram do acordo de Paris em 2015 e que têm sido revistos de 5 em 5 anos, esta estimativa está, para já, nos 2.6ºC. Os esforços são positivos, embora claramente insuficientes.
No entanto, as boas notícias do ano parecem acabar por aqui. Um aumento de temperatura acima dos 1.5ºC (cenário em que já estamos a viver), traz consequências imprevisíveis para o nosso mundo natural, o seu clima e, portanto, para as nossas sociedades. Falarmos de valores previstos de 2.6ºC, que no sul da europa se traduz em mais do que 3ºC, remete-nos para um futuro desconhecido.
Adicionalmente, tivemos uma COP30 que foi um fracasso, confirmando a tendência das últimas COPs, com muita resignação e pouca energia na ação ou compromisso futuro. Este desempenho põe em causa a relevância de COPs futuras – que deveriam confirmar e reforçar os compromissos nacionais que referimos acima.
Parte do fracasso pode ser atribuído aos EUA, que se opõem de forma cada vez mais agressiva a qualquer transição energética. Esta estratégia percebe-se no curto prazo, dado os EUA terem hegemonia energética no que se refere aos combustíveis fosseis. Mas é autodestrutiva no longo prazo, onde as necessidades energéticas serão tão grandes (veja-se por exemplo a energia necessária para se manter a hegemonia na Inteligência Artificial, uma área de competição frenética entre os EUA e a China) que é absurdo pensar que se pode prescindir de uma importante diversificação no portfolio energético, como são as energias renováveis. O desenvolvimento futuro vai precisar de absolutamente todas as fontes de energia disponíveis! Lutar contra elas apenas garante, no longo prazo, menor resiliência e opções energéticas mais curtas – uma desvantagem competitiva significativa, como a Europa bem sabe. Esta oposição priva também a economia americana de uma forte fonte de inovação, inovação essa que tem alimentado o crescimento económico dos EUA há muitas décadas.
A Europa também tem contribuído para este mal-estar, incapaz de tomar um rumo e de se comprometer com ele. Depois de um 2025 perdido, de paragens, recuos e (poucos) avanços, a confusão está espalhada nas empresas e nos cidadãos. Vai ser difícil recuperar a credibilidade depois deste desempenho.
Toda esta incerteza tem sido nefasta não apenas para a transição presente, como também para a futura. Como vimos, os investimentos em energias renováveis têm crescido muito, mas infelizmente apenas à custa de tecnologias maduras (energia solar e eólica, transporte elétrico, baterias, etc.) A incerteza afasta investimentos em tecnologias mais experimentais, aquelas que poderão trazer novas soluções para a transição no futuro. Estas têm visto quebras relevantes no último ano, como por exemplo o hidrogénio ou as soluções energéticas para a indústria pesada.
Mas claro que o desenvolvimento das nossas sociedades não se faz em linha reta. Às vezes temos de dar um passo atrás para avançarmos com mais confiança. 2025 parece ter sido um ano a andar para trás. O que de bom nos poderá trazer 2026?
Primeiro, a turbulência vista em 2025 pode ajudar-nos a focar no que é mais relevante em 2026. Vemos, no contexto empresarial, um apoio claro ao tema da sustentabilidade. Mas o foco é cada vez mais - como deve ser - no impacto estratégico e financeiro que traz à organização. As empresas que se preparam estrategicamente nesta área vão ter vantagens competitivas relevantes no futuro, já que quanto mais tarde fizermos a transição, mais urgente ela se torna.
Segundo, 2026 poderá trazer mais clareza em termos de regulamentação, mas também de políticas públicas ousadas de apoio à transição. O foco das empresas deve estar no seu sucesso de longo prazo, mas esse sucesso deve ser enquadrado por políticas que incentivem comportamentos empresariais que promovam o desenvolvimento sustentável. Precisamos de maior eficácia e eficiência nas políticas públicas de sustentabilidade – por exemplo com mercados de carbono ou de biodiversidade simples, transparentes e estáveis.
Por último, 2026 trará também um maior foco à necessidade de adaptação das sociedades às mudanças climáticas cada vez mais significativas. Esta discussão é difícil e tem sido adiada, mas é relevante, sobretudo porque atinge de forma desigual diferentes países e diferentes partes da nossa sociedade. O relativo fracasso na transição está já a trazer alterações significativas ao nosso mundo natural e ao nosso clima. Estas alterações vão – potencialmente – acelerar daqui para a frente, à medida que passamos os 1.5ºC de aquecimento. A vida como a conhecemos aqui em Portugal, e no resto do mundo, vai mudar: áreas (das mais populosas do mundo) vão deixar de ser viáveis para a vida humana e os fluxos migratórios vão por isso aumentar; a incerteza financeira das populações vai crescer, por exemplo com a diminuição da oferta de seguros à produção ou à propriedade privada; e os investimentos em infraestrutura não produtiva, mas necessária à proteção das nossas economias e sociedades (significativamente maior que os investimentos que teriam sido necessários para fazer uma transição mais rápida), vai trazer constrangimentos adicionais às finanças públicas.
A grande turbulência de 2025 serviu muito bem às ambições chinesas. Depois do choque, esperamos que 2026 seja um ano de maior clareza, decisão e execução – sobretudo pelo sistema político europeu. Temos de ir a jogo sem medo ou hesitações, para garantir regras sustentáveis e equilibradas. É este o meu voto para 2026. Um bom ano!
António Baldaque da Silva, Diretor Executivo do Center for Sustainable Finance da CATÓLICA-LISBON