Preferiria ver o esforço concentrado na redução do IRS” em vez de IRC

CATÓLICA-LISBON
Terça, Outubro 8, 2024 - 14:45

Filipe Santos diz que "grande problema" da economia nacional está mais nas "taxas elevadas de IRS" do que no IRC. Seria, por isso, preferível usar margem para aliviar o imposto sobre o rendimentos.

A dois dias de entrar no Parlamento, o Orçamento do Estado para 2025 continua envolto em incerteza. O PS já apresentou as suas propostas, e o Governo já fez contrapropostas. Mas o acordo continua por fechar, com o IRS Jovem e o IRC a serem os dois pontos mais quentes dessa negociação difícil. Em entrevista ao ECO, o dean da Católica Lisbon School of Business & Economics, Filipe Santos, sublinha que, a cair uma dessas duas medidas, deveria ser o alívio do imposto sobre as empresas.

Na visão do responsável, neste momento, o “grande problema” da economia nacional está mais nas “taxas elevadas” de IRS do que no IRC, daí ser preferível concentrar a margem orçamental na redução do primeiro destes impostos. Já entre fazer uma redução transversal do IRS ou focar num alívio para os mais jovens, Filipe Santos defende que, “na situação em que estamos”, seria importante seguir o segundo caminho, de modo a reter o talento em Portugal.

Esta é uma das partes da entrevista do dean da a Católica Lisbon School of Business & Economics ao ECO. Na outra (que pode ler aqui), fala sobre o estatuto dos residentes não habituais, o ensino em Portugal e a necessidade que o país tem de atrair imigrantes.

Em relação aos jovens que saem de Portugal porque não encontram condições para continuar no país, que avaliação faz do IRS Jovem? Tem mesmo impacto na retenção de talento? Ainda recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) colocava isso em dúvida.

É um tema complexo. Quando há uns anos olhei para as medidas que estavam a ser propostas no Orçamento, houve duas medidas sobre as quais até escrevi um artigo a elogiar. Uma era o IRS Jovem, a outra era o aumento do apoio para as creches. É no início do processo educativo que se formam os talentos. Portanto, apoiar as creches para todos os segmentos económicos é muito importante. E o IRS Jovem era um incentivo a ficar em Portugal, que era tímido, mas interessante. Foi uma excelente medida. Este Governo propõe uma alteração bastante estruturante no IRS Jovem para torná-lo muito mais incentivador. A questão é se é demais ou não.

Peca por excesso?

Acho que ambos têm alguma razão, tanto o Governo como o PS, nos seus argumentos. Tem de se encontrar um equilíbrio. Se pensarmos na retenção e atração de talento, medidas como o IRS Jovem e o estatuto de residente não habitual são importantes. No entanto, há aqui uma questão também de justiça fiscal. Tem de ser equilibrado. Haver alguma discriminação, porque é um objetivo estratégico para o país, faz sentido. Se a discriminação for demasiado pesada, acaba por criar aqui algum sentimento de injustiça, que não é bom para a coesão.

IRS Jovem até aos 35 anos e níveis elevados de rendimento é uma discriminação exagerada?

Se pensarmos que a pessoa começa a carreira aos 24 ou 25 anos, até aos 35 anos é um período grande de tempo, que faz sentido. No objetivo estratégico de atrair e reter talento, faz sentido. Na justiça fiscal, pode levantar algumas preocupações. É suposto o incentivo manter-se com uma taxa de 15% e, depois, aos 35 anos acaba e a pessoa passa a pagar uma taxa, se calhar, de 40%. É um salto muito grande. Acho que uma modulação incremental do IRS Jovem seria mais adequada. Ir aumentando um bocadinho todos os anos. A pessoa vai-se habituando a pagar mais impostos. Portanto, o incentivo é forte ao início, a pessoa fica e, depois, vai perdendo aos poucos esse incentivo, mas não tem a tentação de ir para fora tão cedo.

O Fundo Monetário Internacional diz que não há provas de que este incentivo contribua para a retenção de profissionais em Portugal.

Há jovens que querem ir para fora e aí não há a parte fiscal que altere. Mas há jovens que até gostavam de ficar em Portugal, mas, quando põem os prós e contras na balança, veem que têm de ir. Se houver mais prós na balança, porque vou ter uma fiscalidade mais reduzida na altura em que tenho de investir em arrendar ou comprar uma casa, se conseguir sentir que consigo equilibrar a minha vida, opto por ficar. Estes incentivos fazem alguma diferença. É difícil perceber exatamente qual a diferença que fazem. Mas claramente há algum impacto.

Nesse sentido, não seria mais inteligente apostar toda a margem orçamental num alívio fiscal transversal, que tivesse efeito durante toda a vida dos portugueses?

Vamos tentar baixar um bocadinho para todos ou vamos tentar focar num segmento mais estratégico para o país e dar o benefício maior a esse segmento? É parte da discussão. Na situação em que estamos, é importante ter a aposta num segmento que é estratégico e reter o talento jovem que temos. É importante que haja o IRS Jovem com algum nível de importância, mas, ao mesmo tempo, talvez aliviar um bocadinho a modelação.

Referiu há pouco a necessidade de termos mais empresas a crescer. Outra das medidas quentes da negociação do Orçamento do Estado é o alívio do IRC. O Governo deveria insistir nesse alívio?

O grande problema da economia portuguesa, em termos de competitividade, situa-se mais nas taxas elevadas do IRS do que no IRC. O IRC é um imposto que se aplica sobre o lucro da empresa. O IRS aplica-se sobre o rendimento global da pessoa. Usando a margem orçamental que existe para atuar com mais força sobre a redução do IRS, alivia não só os cidadãos que trabalham, mas também as empresas, porque, com taxas menores, para darem o mesmo rendimento líquido ao meu colaborador, não precisariam de ter salários tão elevados. Preferiria ver o esforço concentrado na redução do IRS para aliviar também a carga fiscal das empresas.

Entre deixar cair o IRS Jovem ou o alívio do IRC, apostaria nesta segunda medida?

Sim, claramente.

Olhemos para a formação ao longo da vida. A escola que lidera oferece licenciaturas diferentes do que é tradicional: licenciaturas executivas. O que está em causa?

Historicamente, os nossos graus de ensino superior eram para os jovens pré experiência. Há cerca de 15 anos, a escola inovou lançando os mestrados executivos, que eram mestrados para pessoas que já trabalhavam, que tinham uma licenciatura às vezes numa área diferente da gestão, mas que faziam um mestrado executivo para melhorar as suas qualificações. O que fizemos agora foi lançar as licenciaturas executivas. São para pessoas que já trabalham, pelo que as aulas são dadas no modelo de ensino a distância para permitir conciliar o trabalho com o ter aulas.

Começaram pela gestão do retalho. Porquê?

Escolhemos esta área da gestão comercial de retalho, porque é uma área que envolve muitos recursos humanos em muitas empresas portuguesas, que têm um nível médio de qualificação mais baixos. Muitos têm ensino superior, mas gostariam de ter. Fizemos em parceria com a Jerónimo Martins, que queria qualificar a sua força de trabalho. Foram o cliente piloto.

A Jerónimo Martins foi o cliente piloto, mas, entretanto, já abriram a outras empresas. Regra geral, é o empregador que financia a formação do aluno?

Temos já uma segunda turma da Jerónimo Martins e agora o programa está aberto ao mercado. Pode haver candidatos individuais que se financiam ou pedem financiamento à sua empresa. Ou programas corporativos de talento, nas quais as empresas anunciam que estão disponíveis para financiar dez ou 15 bolsas. Depende da política de cada empresa, mas é uma aposta muito importante nos colaboradores. Noutros países, este tipo de modelos tem muita dinâmica, porque há também, muitas vezes, um incentivo fiscal para a formação dos colaboradores. Em Portugal não há esse mecanismo.

Deveria haver?

Sim. As empresas ou investem em capital físico e é um investimento que é amortizado ao longo do tempo, ou investem em capital humano, que é um custo mas é um investimento para o futuro. É um investimento que o país precisa. Uma empresa que decide investir mais no seu capital humano e na formação deveria ter um benefício fiscal.