Longevidade

CATÓLICA-LISBON
Segunda, Julho 1, 2024 - 10:00

Portugal, com cerca de 1,4 filhos por mulher, está abaixo dos níveis de fertilidade médios na Europa. Políticas pró-natalidade podem melhorar a situação, mas não ao ponto de resolver o problema.

Portugal está a envelhecer, tal como outros países da União Europeia e a generalidade dos países desenvolvidos pelo mundo fora. As populações estão a envelhecer devido a duas forças. A primeira, muito negativa, é a diminuição do número de crianças. A segunda força, muito positiva, é o aumento da longevidade das pessoas.

Para uma população se manter estável, em média, cada mulher precisa de ter ao longo da sua vida cerca de 2,1 filhos. Nas últimas dezenas de anos, o número de filhos por mulher tem estado bem abaixo desse valor em todos os países europeus. Portugal, com cerca de 1,4 filhos por mulher, está abaixo dos níveis de fertilidade médios na Europa, já de si insuficientes para se assegurar uma manutenção da população a longo prazo.

Como sociedade temos de fazer muito mais para que os potenciais pais e mães queiram e possam ter mais filhos. Tal requer políticas públicas de apoio às famílias, uma maior partilha do trabalho familiar entre pais e mães, e uma maior flexibilidade da regulação laboral e dos empregadores para acomodar as circunstâncias das mães trabalhadoras com filhos pequenos. No entanto, mesmo que tudo isso seja feito, a experiência dos países onde esses esforços foram mais longe indica que o número de crianças continuará a ser demasiado pequeno.

Políticas pró-natalidade podem melhorar a situação, mas não ao ponto de resolver o problema. Isso significa que temos necessariamente de usar três outras estratégias para enfrentar os desafios demográficos. Uma primeira estratégia, a mais direta, é tornar cada adulto em idade ativa mais produtivo, o que se consegue com mais capital humano, ou seja, com mais e melhor educação, mais formação profissional, quer antes quer durante o tempo de emprego. Uma segunda estratégia é adotar uma política de imigração eficaz. A terceira, e incompreensivelmente talvez a menos discutida em Portugal, é não desperdiçar sistematicamente o potencial das pessoas com mais de 60 anos. É nesta área que as políticas públicas por um lado e os cidadãos por outro se devem ajustar às novas realidades.

Um ponto de partida conhecido é que a longevidade, medida pela esperança de vida da população, tem vindo a aumentar desde há várias dezenas de anos. Apesar da pandemia do Covid-19, a esperança de vida da população na União Europeia passou de 77,6 anos em 2002 para 81,5 em 2023. Em Portugal, esse progresso é ainda mais notável, já que a esperança de vida passou de 77,4 no ano de 2002 para 82,4 em 2023. Para termos uma ideia mais intuitiva da melhoria na longevidade em Portugal, por cada ano de calendário decorrido desde 2002, a longevidade da população aumentou quase três meses. Estes resultados são extraordinários e ele dizem-nos que, por muitos problemas que a economia e a sociedade portuguesa enfrentem, algumas coisas fundamentais estão a correr bem. E mais, as boas notícias não acabam aqui.

Mais quantidade de vida (maior longevidade) poderia estar a ser acompanhada por notícias menos boas sobre a qualidade de vida relacionada com a saúde. Por isso, é interessante constatar que há estatísticas que medem a esperança de vida saudável. Estas estatísticas conjugam a esperança de vida com a proporção da população que se autoavalia como tendo uma saúde boa ou razoável.

A esperança de vida saudável é um número mais pequeno que a esperança de vida simples porque parte da longevidade é perdida em tempo passado com má saúde, o que acontece sobretudo nos últimos anos de vida. Mas as boas notícias são que a esperança de vida saudável tem vindo a aumentar. Entre 2004 e 2019 o valor aumentou de 70,6 para 75,4 anos na União Europeia e de 63,5 para 71,5 anos em Portugal. Por cada ano de calendário que passou, em Portugal a esperança de vida saudável aumentou uns extraordinários 6 meses.

Uma forma complementar de compreender estas estatísticas é olhar para a esperança de vida saudável como percentagem da esperança de vida simples, ou seja, qual a percentagem da vida das pessoas passada em boa saúde. Em Portugal, essa percentagem aumentou de 81% em 2004 para 87,3% em 2019.

Em resumo, em média, as pessoas vivem cada vez mais e com saúde cada vez melhor. Isso significa que temos uma fração crescente da população acima dos 65 anos, a fasquia oficial para definir velhice, que ainda tem muitos anos saudáveis pela frente. Claro que as pessoas devem ter a liberdade de usar o seu tempo como entenderem e que há pessoas que têm problemas de saúde. No entanto uma percentagem grande das pessoas acima dos 66,5, a idade oficial de reforma, gostaria de continuar a ter um papel ativo na sociedade e na economia, por exemplo trabalhando em tempo parcial, numa transição suave entre o emprego e a reforma plena. Por isso, desperdiçar este enorme e crescente recurso é um erro que as empresas e o Estado não devem cometer. É necessário pensar em regras flexíveis para o mercado de trabalho e para os sistemas de proteção social que, sem negligenciarem os direitos destes novos e dinâmicos idosos, lhes permitam contribuir para a economia e para a sociedade em geral com o seu valioso capital humano.

Miguel Gouveia, Professor da CATÓLICA-LISBON