A adaptação e mitigação do problema do stress hídrico torna-se de vital importância, não só na perspetiva da qualidade de vida das populações, mas também para a competitividade empresarial.

A escassez de água é um dos graves problemas que a humanidade enfrenta atualmente, sendo já causa de um crescente número de refugiados climáticos e de confrontos em várias partes do mundo.

Em Portugal, ao contrário da perceção comum, a precipitação anual média é maior do que em muitos países europeus, incluindo na Alemanha ou na Dinamarca, mas os três grandes problemas da distribuição regional, sazonalidade e irregularidade crescente na duração e intensidade dos eventos de precipitação têm vindo a comprometer a disponibilidade deste recurso vital. Entre 1971 e 2019, a precipitação em Portugal diminuiu cerca de 20%, prevendo-se uma diminuição adicional de 10 a 25% até ao final do século. A seca tem-se intensificado e estendeu-se a todo o país.

As causas do stress hídrico em Portugal são complexas. Em grande parte, decorrem das alterações climáticas, que levam a uma escassez cada vez maior de água na região da Península Ibérica. Outro fator relevante para o problema é o sistema de gestão de recursos hídricos em Portugal. A distribuição da água no nosso país é desigual, com uma fraca gestão dos recursos hídricos em algumas regiões. O sistema de irrigação tem um papel importante na agricultura portuguesa, sector que consome cerca de 70% a 75% da água no nosso país, e que tem conhecido um processo importante de modernização e ganhos de eficiência na última década, mas que ainda assim tem uma produtividade média do fator trabalho 50% abaixo da média dos setores no país. A indústria é igualmente um importante consumidor de água em Portugal (logo depois da agricultura), e o processo produtivo de algumas empresas requer quantidades significativas de água.

A adaptação e mitigação do problema do stress hídrico no nosso país torna-se de vital importância, não só na perspetiva da qualidade de vida das populações, mas também para a competitividade empresarial. Com o agravamento do stress hídrico, os setores económicos em Portugal têm enfrentado desafios para a sua sustentabilidade e viabilidade.

Em muitos casos, a disponibilidade de água é um fator crítico para o sucesso das empresas. O stress hídrico pode impactar negativamente o setor empresarial português em diversos aspetos, desde custos elevados para obtenção de água até problemas no processo produtivo, além dos problemas sociais e ambientais que podem afetar a sua imagem e credibilidade perante a sociedade. As empresas que utilizam água como parte essencial do seu processo produtivo podem enfrentar problemas relacionados com a sua credibilidade, caso sejam apontadas como grandes consumidoras de água em momentos de escassez. Empresas em setores como o farmacêutico, alimentar e bebidas, hidrogénio, que normalmente utilizam água em grande quantidade, têm um impacto mais significativo na sociedade e no meio ambiente. A falta de água pode levar à insatisfação social, prejudicando a imagem da empresa.

Os principais fatores a determinar a escassez hídrica de uma região não são só os efeitos das alterações climáticas, mas sobretudo o crescimento do PIB que, associado a tendências como o aumento da população e o crescimento urbano, coloca uma maior pressão sobre a procura de energia, de alimentos e dos mais variados tipos de consumo de água. Os efeitos das alterações climáticas amplificam estes impactos sobre a escassez hídrica, e introduzem nas economias um maior grau de risco e incerteza, nomeadamente ao nível de potenciais ruturas, com impacto direto nas cadeias de produção, e perdas de competitividade económica. Se analisarmos o exemplo de Portugal avaliado à luz do elo água-energia, a escassez hídrica terá um impacto direto no potencial de geração de hidroeletricidade em Portugal, promovendo uma alteração do seu mix energético, encarecendo-o, numa altura em que se pretende a descarbonização. A escassez de água terá impactos macroeconómicos significativos, nomeadamente no PIB (num cenário de efeitos climáticos mais severos, o PIB poderá cair 3,2%), em aumentos das taxas de desemprego e inflação, e numa deterioração da balança comercial. Estes impactos serão maiores quando se consideram cenários com redução dos caudais vindos de Espanha.

A situação da água enquanto recurso escasso, pela lógica da teoria económica, deverá levar a um aumento dos preços, tornando o custo de produção mais elevado, podendo, em muitos casos, afetar não só o P&L das empresas, mas diretamente a sua capacidade de produção e reputação, o que, numa situação extrema, poderá levar à decisão de deslocalização das actividades de Portugal para outras regiões menos afetadas pelo stress hídrico. Importa realizar os investimentos necessários para podermos suportar a competitividade das nossas empresas e do nosso país, para transformar este problema estrutural numa oportunidade de futuro. O estudo realizado pelo Professor Miguel Gouveia da Católica-Lisbon SBE, sob a égide do Pacto para a Gestão da Água em Portugal, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, traz uma análise sobre como olhar para o valor da água em vários setores, procurando desafiar para uma avaliação economicamente viável das várias soluções disponíveis para a mitigação do problema. 

Marta Lima, Diretora Executiva Pacto para a Gestão da Água em Portugal