No dia 27 de junho houve um momento alto na União Europeia – o acordo, praticamente por consenso, para o elenco de altos cargos para as instituições Europeias, bem como a aprovação da Agenda Estratégica da União Europeia para 2024-2029.  Este acordo entre os grupos partidários mais moderados e Europeístas que envolve os socialistas, populares de centro-direita e liberais (o que em Portugal corresponderia ao PS, AD, e IL) foi alcançado com bom senso e sem os dramas habituais destas situações.

Em primeiro lugar, é de destacar a eleição de António Costa para a presidência do Conselho Europeu. O Governo Português e Luis Montenegro estiveram muito bem em dar um forte apoio à sua candidatura, pois uma eventual oposição do Governo Português inviabilizaria a candidatura do ex-Primeiro Ministro. E António Costa tem indubitavelmente um bom perfil para o cargo. Décadas de conhecimento das instituições Europeias, fortes relações com muitos dos Chefes de Estado e de Governo em funções e uma capacidade de argumentação e negociação ímpares. Fará um excelente papel num contexto desafiante. E foi uma demonstração de que os interesses nacionais e Europeus devem estar acima dos interesses partidários. Ter um Presidente do Conselho Europeu Português prestigia-nos e reforça a importância do nosso (pequeno) país nos centros de decisão Europeus.

O Conselho Europeu esteve também muito bem com a proposta de renovação de Ursula von der Leyden como Presidente da Comissão Europeia. Ela fez, inquestionavelmente, um bom primeiro mandato, mostrando uma força, inteligência, capacidade de trabalho e resiliência raros, num dos lugares executivos mais difíceis do mundo (talvez o segundo mais difícil, logo atrás de Secretário Geral das Nações Unidas). Renovar o seu mandato é uma decisão meritocrática e aproveitar a sua larga experiência e capacidade é uma decisão inteligente. Esperemos agora que os deputados do Parlamento Europeu reconheçam o seu valor com uma aprovação desta nomeação por clara maioria.

A indicação de Kaja Callas, primeira-ministra da Estónia originária da área política Liberal, para Alta Representante da União Europeia para Relações Externas e Política de Segurança é também uma boa proposta, pela sua experiência em Assuntos Europeus, capacidades de liderança política e fortes credenciais de apoio à Ucrânia após a agressão Russa, apoio esse que terá que ser um dos pilares da política externa Europeia. Para além disso, a sua idade, abaixo dos 50 anos, cria a possibilidade de ser sucessora em futuros altos cargos Europeus ou na NATO.

É caso para dizer que cada um dos três grupos partidários apresentou um excelente candidato para o lugar, tendo-se conseguido os equilíbrios necessários neste processo e vencido o mérito e a capacidade de compromisso. E foi muito importante também que um consenso em torno da liderança e agenda estratégica da Europa tenha acontecido agora, pois os próximos cinco anos vão ser de enormes desafios internos e externos para a União Europeia.

O 1º desafio é o forte crescimento dos movimentos radicais de direita e a sua polarização contra frentes radicais de esquerda, provocando o esvaziamento do centro democrático em vários países. Este perigo está bem patente nas eleições Francesas deste fim de semana em que a extrema direita teve uma vitória histórica relegando o centro democrático para terceiro lugar. E colocar os eleitores perante alternativas extremistas é um desastre para a democracia. A aliança dos partidos socialistas com a esquerda radical, como aconteceu em França e pode acontecer em Portugal, é uma relação contra-natura dado que muito pouco de essencial para a vida dos cidadãos une a esquerda radical à esquerda democrática. No quadrante oposto, é importante trazer os partidos de direita democrática para o centro em vez de os radicalizar com linhas vermelhas arbitrárias. Georgia Meloni tem governado a Itália com políticas de direita moderadas e não deve ser colocada fora dos núcleos de decisão, de forma a evitar a sua aliança com as fações de extrema direita.

O 2º desafio é a situação geo-política mundial cada vez mais instável, com a preponderância dos interesses dos Estados mais fortes, o arrastar da guerra na faixa de Gaza e na Ucrânia, e o afirmar de um duopólio de forças mundial entre os Estados Unidos e a China. Adicionalmente, a radicalização populista dos Estados Unidos não augura nada de bom e a Europa precisa de políticas de afirmação enquanto bloco militar e político. A par e passo, deve gerir com redobrado cuidado a sua aliança fundamental com os Estados Unidos (mesmo com os disparates que um futuro Presidente dos EUA possa fazer), defendendo sempre que possível a primazia das instituições supra-nacionais e os princípios de governança global.

O 3º desafio é a defesa e crescimento da Economia Europeia com medidas corajosas que reforcem a União Europeia no seu todo, mesmo contra os interesses de alguns estados. O compromisso é essencial, mas sem ceder a chantagens que tornariam a União Europeia ingovernável. Isto pode envolver acordos globais em que todos os países ganham alguma coisa mas, no seu conjunto, as decisões reforçam a Europa. Temos excelentes exemplos de colaboração económica e política que podem ser usados como modelo. Em termos de política industrial, a criação da Airbus foi um deles. Imaginem um mundo em que a Boeing era monopolista na construção de grande aviões comerciais sem ter a competição da Airbus? Se formos avançar por uma política industrial mais ativa, incluindo as vertentes energéticas e de transportes, ela tem que ser gerida a nível Europeu e não numa estratégia parcelar em que cada estado membro implementa políticas descoordenadas de soma negativa para a Europa. Falta cumprir o mercado único Europeu!

O 4º desafio é a política demográfica e de imigração. A principal razão do crescimento da direita radical é uma política de imigração demasiado permissiva, provocando choques económicos, culturais e de segurança complexos. A União Europeia e os seus estados membros precisam de uma política de imigração que, respeitando os Direitos Humanos, seja mais exigente, tenha mecanismos de inclusão proativos e atraia para a Europa não só a mão de obra que falta mas também o talento que precisamos.

No meio de todos estes desafios, uma nota final de parabéns para a própria CATÓLICA-LISBON que subiu 5 lugares no ranking do FT dos melhores mestrados em Finanças do Mundo, estando agora no 16º lugar, a melhor posição de sempre. A educação superior é um excelente exemplo de sucesso do Mercado Único Europeu que aconteceu a partir do Acordo de Bolonha de 1999. 25 anos depois, as escolas de gestão Europeias dão cartas a nível mundial e neste ranking dos 65 melhores mestrados do mundo estão mais de 50 Escolas europeias e quatro Portuguesas! A Europa hoje é a nossa força e a nossa esperança para o Futuro.

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON