Trump construiu uma narrativa capaz de utilizar a nostalgia do passado perdido e a revolta contra um presente frustrante e humilhante, para se apresentar como aquele que, fora do sistema, é capaz de tornar a América grande novamente.
A ideia generalizada de que a liderança é uma forma de manipulação resulta não só da manipulação ser praticada por muitos líderes, tanto nas organizações como na comunicação de massas, mas também de os dois conceitos terem pontos em comum: são processos de influência que usam a persuasão para mudar as formas de pensar, sentir e agir. Tanto a liderança como a manipulação têm objetivos concretos e utilizam táticas comportamentais para os alcançar. Na prática, é fácil resvalar da liderança para a manipulação quando queremos que os outros se comportem como desejamos.
No entanto, a manipulação e a liderança não devem confundir-se. A manipulação é uma forma de influência social enganadora e abusiva com a qual o manipulador quer satisfazer os seus interesses, escondendo os verdadeiros objetivos e utilizando táticas dissimuladas. Uma das definições mais comuns descreve-a como uma forma de influência ou de controlo em que se usam meios ocultos, enganosos ou desonestos, para obter vantagens à custa dos outros. Os manipuladores baseiam o seu poder na posição e na coerção. Usam táticas de exploração emocional como o medo, a culpa, a pressão e a bajulação, e táticas cognitivas que podem envolver o condicionamento do pensamento crítico, o controlo da informação, o enquadramento da seletividade, a modelação das perceções e a mentira.
A liderança, pelo contrário, é uma forma de influência conduzida com base em objetivos claros e transparentes, utilizando táticas que respeitam os outros e visam o benefício tanto do líder como dos seus seguidores. Baseia-se na confiança mútua, em valores comuns e objetivos partilhados, gerando relações autênticas de lealdade e compromisso.
Uma vez que tanto a liderança como a manipulação são processos de influência, o que realmente as distingue é a intenção com que a influência é exercida e as táticas utilizadas. O que se pretende é obter alguma coisa das pessoas, ou com as pessoas e para as pessoas? Por isso, a distinção entre persuasão manipuladora e persuasão ética é essencial para orientar as práticas nas áreas da comunicação institucional, do marketing das relações interpessoais e da política.
Uma forma frequente de manipulação na liderança política é a manipulação emocional que se caracteriza pela tentativa de controlar o comportamento dos eleitores influenciando os seus sentimentos. Pela posição que ocupa na liderança da maior economia, Donald Trump tem sido dos líderes políticos mais estudados. A investigação mostrou que uma parte importante do sucesso das suas campanhas eleitorais se deve ao uso eficaz de uma narrativa manipuladora com forte carga emocional. Os mecanismos psicolinguísticos têm um papel importante na comunicação dos nacionalismos populistas e Trump utiliza-os com particular mestria. A sua retórica longe de ser uma simples improvisação revela uma construção sociocognitiva politicamente impactante e capaz de conseguir um forte apoio eleitoral a candidatos à margem do sistema.
Nas campanhas eleitorais em que participou a estratégia retórica de Trump, intencional ou não, assentou em três pilares. O primeiro é o da grandeza histórica da América. O seu discurso acentua como o país era no passado uma nação próspera, com oportunidades para todos e internacionalmente respeitado. Trazer este passado glorioso para o presente é uma forma de criar no eleitorado um "efeito de nostalgia", estimulando a vontade de regressar a um estado ideal (ficcionado ou não) que se perdeu.
O segundo pilar narrativo é a crise atual da América. Trump utiliza uma narrativa carregada de elementos emocionais para empolar a crise da América em três dimensões essenciais: a crise económica e social, a ação dos inimigos externos e internos do país, e a decadência da elite política. O discurso de crise amplifica a perceção negativa que os eleitores já tinham da sua própria condição, da situação do país e das ameaças globais. Trump soube criar o cenário de uma imaginária "América á beira do colapso", contra as evidências estatísticas, e identificou as causas: a eliminação de empregos e a pobreza, a criminalidade e a violência, a imigração ilegal e as drogas, o terrorismo islâmico, os desequilíbrios no comércio internacional, as despesas do estado e o "wokismo esquerdista". Trump chegou a caracterizar o estado atual da América como "um país do terceiro mundo" e "um depósito de lixo para os problemas dos outros países".
O terceiro elemento narrativo tem por objetivo opor Trump aos seus principais opositores. Os "outros" incluem os estrangeiros que entram ilegalmente no país, os líderes de países que apenas visam explorar o EUA e contribuem para o seu desprestígio, e a elite política "estúpida", "corrupta" e "incapaz", que tem governado a América. Na sua retórica, a crise da América continuará "apenas e enquanto continuarmos a depender da mesma elite que a criou". Esta polarização ergue uma barreira discursiva entre o "verdadeiro povo" e Trump como seu legítimo representante, e os inimigos da América.
A construção retórica de uma América em crise suscita sentimentos de insegurança, ansiedade e indignação, e estimula o desejo do regresso ao "paraíso perdido" através da agenda política do narrador. Trump construiu uma narrativa capaz de utilizar a nostalgia do passado perdido e a revolta contra um presente frustrante e humilhante, para se apresentar como aquele que, fora do sistema, é capaz de tornar a América grande novamente.
Esta é a base discursiva da sua liderança populista: a criação de um vínculo retórico que o identifica com o povo e este se reconhece na sua proposta redentora. Este vínculo ganha particular eficácia ao apoiar-se numa personalidade narcísica que mostra uma convicção e confiança ilimitadas nas suas capacidades. Deve-se-lhe afirmações como "sou a pessoa mais presidenciável que já conheci" e "entendo as coisas melhor que qualquer outra pessoa". Esta retórica serve igualmente o objetivo de o diferenciar da elite que levou o país ao desastre.
A teoria da perspetiva, de Kahneman e Tversky, ajuda a compreender a heurística subjacente às decisões de voto favoráveis a Trump. Perante o quadro de crise que foi apresentado, e a perspetiva de que mais perdas e humilhações vão ocorrer, as pessoas ficam inclinadas a assumir opções mais arriscadas para evitar males maiores. Por outras palavras, sentem que, perante o quadro de ameaças que lhes é apresentado, nada têm a perder apostando em soluções radicais que prometem restaurar o controlo, previsibilidade e segurança do passado, com políticas autoritárias, soluções radicais e protagonistas fora do sistema.
Esta estratégia retórica serviu para manipular o quadro psicológico dos eleitores e foi essencial na mobilização do voto. O empolamento da crise, a ameaça dos inimigos externos e internos e a incompetência da elite política, fizeram muitos aceitar o risco de confiar no radicalismo nacionalista de um outsider que lhes prometia o regresso ao passado glorioso da América.
O sucesso desta manipulação emocional, que nunca saberemos se foi ou não intencional, mostra que o papel da linguagem na determinação dos comportamentos pode ser discreto, mas nunca é inocente, e a psicolinguística não pode ser ignorada na interpretação das lideranças.
Luís Caeiro, Professor da CATÓLICA-LISBON