Metaverso vs ChatGPT – qual vai mudar o mundo?

CATÓLICA-LISBON
Quinta, Fevereiro 2, 2023 - 17:00

Neste artigo vou analisar duas das tendências tecnológicas mais faladas em meses recentes. O Metaverso e o ChatGPT. Em ambas, grandes empresas estão a investir dez mil milhões de dólares. Uma delas penso que irá mudar o mundo. A outra considero uma tendência sem substância. Qual é qual?

 

Comecemos pelo Metaverso. Em 2021, a empresa Facebook mudou de nome para Meta e o seu fundador afirmou que o Metaverso – uma visão de uma Internet imersiva, comunitária e tri-dimensional onde os utilizadores podem interagir uns com os outros, ter experiências e comprar produtos -  iria mudar o mundo e começou a investir 10 mil milhões de dólares por ano em novas tecnologias e no desenvolvimento de um Metaverso que se torne dominante. Num artigo desta semana, a Mckinsey afirma que o Metaverso vai gerar oportunidades de negócio de 4 a 5 milhões de milhões de dólares até 2030, o que é equivalente a 20 vezes o PIB de Portugal. Empresas de jogos que gerem os massive multiple player online games como o Fortnite, empresas que usam realidade aumentada como o Pokemon GO, e empresas de óculos de realidade virtual como a Oculus Quest, bem como marcas conhecidas de produtos e serviços, estão a investir muitos milhões a desenvolver produtos, hardware e software para o Metaverso. Vai ser a oportunidade do futuro, dizem os visionários.

E agora falemos do ChatGPT. É um serviço interactivo de linguagem (vulgo chatbot) lançado ao público a 30 de Novembro de 2022 pela organização OpenAI, baseado na versão 3 do seu motor de inteligência artificial operado na Cloud. Em 5 dias tinha mais de um milhão de utilizadores regulares e, desde início de Janeiro, dados indicam que tem mais de 20 milhões. É tão poderoso a responder a perguntas dos utilizadores de forma correcta que ganhou imensa popularidade, estando a ser questionado o seu impacto na automatização do trabalho académico e profissional em diferentes áreas. A Microsoft tem uma parceria estratégica com a OpenAI que envolve um investimento de mais de dez mil milhões de dólares. Entretanto, o ChatGPT tem gerado críticas. Recentemente, o Chief Scientist da Meta disse que o ChatGPT não é particularmente inovador e a sua tecnologia não é revolucionária, estando disponível em outras empresas.

Qual destas tecnologias e inovações vai mudar a nossa vida?

Em relação ao Metaverso, o excelente filme de ficção científica Ready Player One, lançado em 2018, oferece um extraordinário exemplo de um mundo em que um Metaverso dominante chamado OASIS oferece aos cidadãos um universo digital paralelo onde podem viver segundas vidas. Essa visão foi parcialmente concretizada desde 2003 pela organização Linden Labs que criou o Second Life como universo paralelo, onde empresas podiam comprar espaços num mundo virtual para criar lojas e experiências virtuais que os seus clientes, através de avatares, poderiam experimentar. O sucesso na indústria de jogos com o desenvolvimento de ambientes imersivos em que milhões de jogadores podem interagir e, no caso do Fortnite, matar-se uns aos outros, mas também comprar com dinheiro real produtos virtuais, bem como soluções de realidade aumentada como o Pokemon GO, em que os jogadores sobrepõem um mundo virtual ao mundo real e andam pelas ruas e parques a caçar Pokemons, levou as empresas a acreditarem no potencial de mercado destes universos paralelos. Os avanços em realidade virtual, com capacetes cada vez mais avançados, permitem algum optimismo em relação à adoção destes universos.

No entanto, o Metaverso hoje não é nada concreto, apenas um conjunto de tendências e visões que estão a ser transformadas numa bolha mediática com pouco significado substantivo. Desde há 20 anos que ouço falar destas visões com nomes diferentes, sendo o Second Life a mais desenvolvida, mas com uma escala ainda pequena duas décadas depois do seu lançamento. As experiências em universos imersivos virtuais (criados pelas consolas de jogos e com interação apenas via écran, sem uso de equipamentos de realidade virtual), têm grande sucesso entre os adolescentes, mas a maior parte dos adultos quer interagir socialmente num mundo real e não em mundos virtuais. Aliás, a maioria dos jovens rapazes entre os 11 e os 15 anos tornam-se fanáticos das consolas de jogos e, quando chegam aos 15 anos mudam subitamente para experiências sociais no mundo real. Finalmente, os modelos de realidade aumentada e virtual que obrigam a usar hardware especial, ainda têm um grau de custo e incómodo físico muito grandes, sendo úteis para fins muito específicos e curtos e não para uso regular. Mesmo o sucesso do Pokemon Go em realidade aumentada foi apenas baseado no uso do telemóvel.

Em resumo, embora possa haver aplicações interessantes e com algum sucesso em realidade aumentada e virtual, não me parece que o Metaverso como indústria ou mercado vá ter o sucesso de que se fala e não me parece que daqui a cinco anos estejamos a falar de Metaverso. Provavelmente haverá aplicações novas de realidade aumentada baseadas em telemóveis ou consolas de jogos, mas não me parece que a maioria das pessoas viva vidas paralelas no Metaverso através dos seus avatares.

Já em relação ao ChatGPT, acho que na história da inteligência artificial vai haver um antes e um depois do ChatGPT. Durante vários anos falou-se do poder da inteligência artificial para mudar a forma como trabalhamos e interagimos, mas as aplicações que existiam era muito técnicas e operavam em nichos de mercado, permitindo otimizar actividades específicas nas áreas financeiras, administrativas, de saúde ou educação. O lançamento do ChatGPT é o momento em que estas tecnologias e inovações se combinam de forma simples e poderosa e em que o utilizador comum, através de uma interface simples, consegue interagir em diálogo com um sistema que aparenta uma verdadeira inteligência artificial. Esta inteligência é fruto do vasto conhecimento que o sistema consegue processar e com o qual aprende de forma automática, e da sua adaptabilidade às perguntas colocadas, dando respostas credíveis por mais técnica ou específica que seja a pergunta. O motor do ChatGPT consegue até criar novo conhecimento, como poemas ou canções. Pode não ser perfeito, mas é assustadoramente rigoroso, levantando inúmeras questões éticas e podendo transformar vastos setores da economia e sociedade, em particular na área da educação e aprendizagem e na área do trabalho administrativo e profissional. Vai criar enormes disrupções em mercados e profissões e gerar imensas oportunidades de negócio.

As inovações que transformam o mundo não são as radicais mas aquelas que se baseiam em tecnologias moderadamente inovadoras e que combinam os seus elementos de forma poderosa e acessível. A anunciada revolução da inteligência artificial chegou. O ChatGPT dá todos os sinais de vir a ser a killer app que muda o mundo e o Metaverso de ser o next big thing que nunca chega.

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON