A proposta de valor de uma marca é mais do que uma mensagem para o mercado: é o reflexo da sua identidade e da forma como se organiza por dentro. Quando essa proposta falha, não é apenas um problema de marketing — é um sintoma de desorientação estratégica e, muitas vezes, de liderança. Porque a verdadeira força de uma organização não reside em quem fala mais alto ou parece saber tudo, mas em quem consegue reunir consensos, inspirar confiança e alinhar as equipas em torno de um propósito comum.
Nos últimos anos, muitas empresas têm caído na armadilha da presunção de competência universal. É quando cada área acredita que pode — e deve — invadir o território das outras. O marketing quer ser estratégia; as vendas querem ser marketing; a direção quer ser comunicação. Esta tendência, que à primeira vista pode parecer sinal de dinamismo, revela na verdade um desequilíbrio profundo: o da falta de foco e humildade organizacional. Quando todos querem ser tudo ninguém faz bem o que lhe compete. E quando a proposta de valor deixa de ter um dono claro, dissolve-se.
A presunção de competência transforma-se rapidamente em incompetência coletiva. Equipas que deviam cooperar passam a competir. A comunicação interna torna-se um campo de batalha e as decisões são tomadas com base em egos, não em dados. O cliente sente o resultado — mensagens contraditórias, promessas irrealistas, experiências inconsistentes. A empresa perde credibilidade e começa a viver de aparência, não de substância.
O problema agrava-se quando esta confusão é alimentada por lideranças frágeis, que confundem autoridade com infalibilidade. O líder que acredita ter sempre razão acaba por calar o contributo das equipas, isolando-se na sua própria convicção. A curto prazo, impõe-se; a médio, desmobiliza; a longo, destrói. A história empresarial está cheia de casos em que a ausência de dúvida matou a inovação.
A verdadeira liderança, pelo contrário, é a que tem a coragem de não saber tudo. É a que entende que a força não está nas certezas, mas na capacidade de ouvir, ponderar e reunir consensos. Um bom líder é um mediador lúcido — aquele que transforma diferenças em contributos e divergências em estratégia. É também aquele que protege as fronteiras de competência: sabe o que cabe ao marketing, às vendas, à operação, e cria pontes em vez de zonas de sobreposição caótica. Não se trata de rigidez, mas de clareza. E é essa clareza que sustenta uma proposta de valor forte.
Quando falta liderança esclarecida, instala-se o contágio da presunção. O erro de um departamento propaga-se ao resto da organização. As pessoas deixam de saber quem define o rumo, as equipas entram em competição interna e o propósito perde-se no ruído. A desmobilização torna-se inevitável e o talento afasta-se. E o mercado, sempre atento, percebe a falta de coerência. Nenhuma campanha, por mais criativa que seja, consegue disfarçar uma estrutura sem norte.
Em última análise, a proposta de valor de uma marca é tão forte quanto a liderança que a sustenta. E a liderança mais forte não é a que impõe, mas a que inspira. Não é a que domina, mas a que une. Quando o marketing volta a ser marketing, as vendas voltam a vender, e a liderança volta a liderar com sentido, o valor deixa de ser uma promessa — e passa a ser uma realidade que se sente em cada gesto da organização.
No fundo, tudo se resume a isto: o mais difícil é fazer simples. A maturidade de uma organização mede-se pela sua capacidade de concentrar talento, energia e inteligência naquilo que realmente importa — fazer bem, ou muito bem, aquilo que é a sua função. Não é preciso ser tudo, nem estar em todo o lado, nem ocupar o espaço dos outros. Basta ser bom no que se é, coerente no que se promete e rigoroso no que se entrega.
O verdadeiro valor nasce da clareza. E a clareza exige humildade: saber onde termina a nossa competência e onde começa a dos outros; reconhecer que o sucesso não depende da presunção de saber tudo, mas da capacidade de trabalhar em conjunto, respeitando as fronteiras e os papéis. As equipas funcionam quando há confiança; e a confiança nasce quando cada um faz bem o seu trabalho, sem tentar ser protagonista de todos os palcos.
Pedro Celeste, professor na CATÓLICA-LISBON