Nas democracias ocidentais, parece estar a emergir uma divisão ideológica sem precedentes entre as gerações mais jovens. As jovens estão a tornar-se mais progressistas, enquanto os jovens mostram uma crescente inclinação por ideologias conservadoras e de direita. Estará este padrão também a verificar-se na Europa? E o que estará a alimentar este crescente fosso de género nas atitudes políticas?

O estudo "O género e as visões políticas na Europa: a brecha está a aumentar entre os jovens?" realizado no âmbito do Centro de Investigação PROSPER por Anna Bernard (Católica Lisboa) e Anna Jacobs (Universidade de Bielefeld, Instituto Kiel para a Economia Mundial), financiado pela Fundação La Caixa, revela uma tendência importante: as mulheres jovens da Geração Z (nascidas entre 1997 e 2012) e as Millennials (1981-1996) estão cada vez mais inclinadas para a esquerda, enquanto os seus pares masculinos estão a mudar na direção oposta.
"A descoberta mais surpreendente é quão acentuada é a viragem à esquerda entre as mulheres jovens, em comparação com os homens jovens. Embora os homens também revelem uma tendência para a direita, essa mudança é bastante mais moderada. Esta assimetria, por si só, merece ser investigada, e estamos atualmente a tentar compreender as razões que a explicam." - Anna Bernard.
Utilizando dados do Inquérito Social Europeu (2008-2022) em 16 países, a investigação mostra que a diferença ideológica entre homens e mulheres jovens está a crescer rapidamente. Entre os europeus com idades entre os 18 e os 29 anos, as mulheres estão a inclinar-se cada vez mais para a esquerda, enquanto as opiniões dos homens permanecem mais estáveis ou se deslocam para a direita. Numa escala política de 0 a 10 (0 = extrema esquerda, 10 = extrema direita), a diferença entre os géneros aumentou de apenas 0,2 pontos em 2008/2009 para 0,7 pontos em 2021/2022, um aumento de mais de três vezes em pouco mais de uma década.

O norte e o oeste da Europa lideram a divisão
Esta divisão crescente é especialmente proeminente na Europa do Norte e Ocidental, onde a diferença entre os géneros é duas vezes maior do que noutras regiões. Países como a Finlândia, Suécia, Noruega, França e Bélgica apresentam algumas das maiores diferenças ideológicas baseadas no género.
Em contrapartida, os países da Europa do Sul apresentam uma maior variação. Enquanto Portugal espelha a Europa Ocidental com uma diferença notável entre homens e mulheres jovens, Espanha destaca-se pelas suas opiniões geralmente de esquerda em ambos os géneros.
Na Europa Oriental, incluindo a Estónia, Lituânia, República Checa e Hungria, os jovens tendem mais para a direita em geral, independentemente do género, ilustrando que a diferença entre homens e mulheres não é uniforme em todo o continente.

A diferença entre os jovens permanece após o ajuste dos fatores sociodemográficos
Historicamente, as mulheres eram mais propensas do que os homens a apoiar visões políticas de direita. Mas, desde meados da década de 1990, esse padrão se inverteu. Essa mudança é parcialmente explicada pela maior participação na força de trabalho, níveis mais elevados de educação, independência económica e um declínio na influência religiosa, todos fatores que se correlacionam com visões políticas de esquerda.
Esses fatores explicam a diferença atual? Mesmo quando se leva em consideração a educação, a renda, o estado civil ou a região, a diferença entre os sexos continua sendo seis vezes maior entre a Geração Z e os Millennials em comparação com grupos mais velhos, como a Geração X (nascidos entre 1965 e 1980), os Baby Boomers (1946–1964) ou a Geração Silenciosa (1928–1945).
O papel das redes sociais
Como nativos digitais, os jovens europeus passam mais tempo online do que qualquer outra faixa etária, em média cerca de duas horas adicionais por dia em comparação com as gerações mais velhas. Pesquisas recentes indicam que as redes sociais desempenham um papel importante na formação das preferências políticas e podem contribuir para o aumento da polarização. Será que as redes sociais estão a impulsionar a atual disparidade política entre os sexos?
"Suspeito que as redes sociais tenham funcionado mais como um catalisador, particularmente na mudança observada entre as mulheres jovens. Movimentos como o #MeToo aumentaram a consciencialização em relação à violência sistémica e ao preconceito contra as mulheres, e terão provavelmente contribuído para uma identificação crescente com valores progressistas por parte das mulheres jovens." - Anna Bernard
Embora seja difícil obter medidas exatas do uso das redes sociais, estudos recentes utilizaram a implantação das redes 3G como um indicador do aumento do acesso digital. Introduzida no início dos anos 2000, a tecnologia 3G permitiu o uso generalizado da Internet móvel e impulsionou um aumento no envolvimento nas redes sociais.
No seu estudo, Anna Bernard e Anna Jacobs examinam a relação entre a expansão da Internet móvel e a disparidade política entre os sexos. Surge um padrão claro: nas áreas rurais, uma maior cobertura 3G está associada a uma mudança para a direita entre os homens, enquanto as mulheres urbanas tendem a se mover para a esquerda. Esses padrões ajudam a explicar a tendência geral, já que as áreas urbanas são caracterizadas por uma população mais densa.

"A crescente divisão entre jovens homens e mulheres levanta questões importantes sobre a coesão social e, a longo prazo, até mesmo sobre a dinâmica demográfica. O que precisamos compreender agora é se estas diferenças se mantêm apenas ao nível das preferências políticas ou se começam a consolidar-se em formas mais profundas de oposição social. Uma das áreas que estamos a explorar é se o afastamento das redes sociais tem algum efeito mensurável sobre esta diferença de género nas atitudes políticas, particularmente entre os utilizadores mais jovens." - Anna Bernard
A investigação financiada pela La Caixa (Projeto SR21-00783), tem atraído a atenção dos media, com cobertura no jornal francês Libération, na rádio francesa France Inter e na revista LUX. Pode ler o estudo completo aqui.