A exportação não se limita a expandir o alcance de uma empresa - ela remodela o seu comportamento. Desde avanços tecnológicos na Argentina e no Canadá até ao aumento de salários e certificações de qualidade no México, a exposição global leva as empresas a evoluir constantemente. Mesmo em Myanmar e no Egito, as empresas exportadoras melhoram as condições de trabalho e a qualidade dos produtos.

Um estudo realizado pela investigadora da CATÓLICA-LISBON CUBE Joana Silva, em coautoria com Paulo Bastos (Banco Mundial) e Eric Verhoogen (Universidade de Columbia), identifica um mecanismo fundamental: o nível de rendimento dos destinos de exportação de uma empresa. O artigo, Export Destinations and Input Prices, explora a forma como a exportação para países mais ricos leva as empresas a melhorar a qualidade dos bens que produzem e os fatores de produção (inputs) que utilizam para os fabricar.

Mercados Ricos, Padrões Elevados

No comércio global, os países mais ricos tendem a exigir bens de maior qualidade. Isto significa que frequentemente as empresas têm de adaptar os seus processos de produção, adotando novas tecnologias, contratando mão de obra mais qualificada ou adquirindo materiais de maior qualidade.

Este estudo centra-se numa ideia-chave: o income-based quality-choice channel (canal de escolha da qualidade com base no rendimento). Quanto mais rico é o cliente, maior é a qualidade exigida. Quanto maior a qualidade exigida, mais as empresas têm de investir - a montante e a jusante - para a fornecer.

O desafio de traçar a relação entre o rendimento dos destinos de exportação e os preços dos fatores de produção pagos pelas empresas reside na medição e na causalidade. A maioria dos dados recolhidos a nível das empresas não mostra a qualidade dos produtos exportados nem a relaciona com a qualidade dos fatores de produção utilizados para a sua produção, o que torna difícil compreender os diferentes fatores que impulsionam o comércio e os vários canais que impulsionam a melhoria da qualidade. Além disso, os investigadores não podem observar diretamente a qualidade dos produtos na maioria dos dados comerciais. Em alternativa os investigadores têm inferido a qualidade através dos preços, partindo do pressuposto de que preços mais elevados indicam frequentemente uma qualidade superior.

No entanto, os preços de exportação podem ser enganadores. Em primeiro lugar, as empresas podem cobrar margens de lucro mais elevadas nos países mais ricos, mesmo para bens homogéneos. Estudos anteriores de Bastos e Silva mostraram que as empresas portuguesas tendem a cobrar preços mais elevados para os mesmos tipos de produtos quando vendem para países mais ricos, mesmo depois de terem em conta fatores como a distância e outras caraterísticas do mercado. Em segundo lugar, mesmo que os preços de exportação refletissem a qualidade do produto, as mudanças internas nas empresas (como alterações na estratégia do produto ou no acesso ao mercado) poderiam afetar tanto os produtos que uma empresa escolhe vender como os locais onde consegue vender, criando uma falsa ligação entre a qualidade do produto e o nível de rendimento do país de destino.

Uma Nova Perspetiva: Preços dos Fatores de Produção

Joana Silva e colegas propõem uma perspetiva inovadora que relaciona a qualidade dos produtos com os fatores de produção. Embora as empresas possam ajustar os preços que cobram em função do mercado, os preços que pagam pelos fatores de produção, as matérias-primas, os componentes e os serviços que adquirem, são menos suscetíveis de serem distorcidos por essas estratégias e, em ambos os casos, as variações das taxas de câmbio estão fora do controlo da empresa. Os valores unitários dos fatores de produção adquiridos oferecem uma janela mais clara para as decisões de qualidade. Utilizando dados pormenorizados de empresas portuguesas, incluindo registos aduaneiros e informações sobre as transações e a produção dos produtos das empresas, os investigadores acompanharam a forma como as empresas ajustaram o seu comportamento quando as taxas de câmbio deslocaram as vendas para destinos mais ricos..

O resultado? Um padrão claro: quando as mudanças nas taxas de câmbio deslocam as vendas para os países mais ricos, as empresas respondem melhorando tanto os seus produtos como os fatores de produção utilizados para os fabricar. A lógica é simples: os mercados mais ricos exigem maior qualidade e as empresas mais produtivas estão posicionadas para satisfazer essa procura. Os resultados apoiam o income-based quality-choice channel (canal de escolha da qualidade baseado no rendimento): vender para destinos mais ricos leva as empresas a aumentar a qualidade média dos bens que produzem e a comprar fatores de produção de maior qualidade. Os resultados verificam-se mesmo depois de se ter em conta outros fatores, como a distância a que se encontram os seus clientes, a dependência da empresa em relação às exportações ou a dimensão global da empresa. Os testes estatísticos confirmam a robustez do resultado, reforçando uma narrativa: as empresas que visam mercados mais ricos adaptam-se melhorando os seus fatores de produção, o que sugere que estão a produzir intencionalmente bens de maior qualidade para estes consumidores.

Além disso, este padrão é impulsionado mais pelo aumento das vendas aos atuais clientes dos países ricos (a margem intensiva) do que pela entrada em novos mercados (a margem extensiva). Esta nuance sublinha que quanto mais profunda for a relação com clientes exigentes, maior é a pressão e o incentivo para melhorar.

Implicações para os Mercados Emergentes

Para os gestores e decisores políticos dos mercados emergentes, esta perceção tem implicações profundas:

  • Exportar não é apenas uma estratégia de crescimento - é uma estratégia de desenvolvimento. Visar países de elevado rendimento pode conduzir a melhorias a nível da empresa que se propagam pelas cadeias de abastecimento.
  • As atualizações de qualidade começam a montante. Os líderes devem prestar atenção às práticas de aquisição e às capacidades dos fornecedores, e não apenas à qualidade da produção.
  • Relações mais profundas geram mudanças mais profundas. O envolvimento a longo prazo com mercados exigentes produz melhorias internas mais fortes do que as vendas ocasionais.

Embora o estudo se centre em Portugal, as conclusões têm implicações mais vastas. À medida que as empresas das economias de rendimento médio procuram subir na cadeia de valor, a exportação para os países mais ricos pode atuar como um catalisador para a melhoria não só entre os exportadores individuais, mas em todas as redes de fornecedores.

Este mecanismo ajuda a explicar padrões mais amplos observados no comércio mundial, como o aumento de produtividade que as empresas registam frequentemente quando começam a exportar. Não se trata apenas de chegar a mais clientes; trata-se de servir clientes mais exigentes. E satisfazer essas exigências exige que as empresas repensem e aumentem a qualidade de toda a sua cadeia de valor.

Esta investigação acrescenta uma peça fundamental à nossa compreensão do comércio global. Destaca a forma como as escolhas de qualidade baseadas no rendimento não moldam apenas o que as empresas vendem - mas também a forma como investem, melhoram e competem.

Para crescer globalmente, as empresas têm de crescer internamente. E esse crescimento começa não no ponto de venda, mas no ponto de entrada.

Por esta importante contribuição, o artigo foi publicado na American Economic Review, uma das mais prestigiadas e influentes revistas académicas de economia a nível mundial - parte do que os economistas designam por “cinco principais” revistas da área. Trata-se de uma distinção rara: apenas dois trabalhos com dados de Portugal foram publicados nesta prestigiada publicação. O artigo recebeu ainda o prémio de “Melhor Investigação na Área da Competitividade e Globalização com Dados de Portugal”, atribuído pela PricewaterhouseCoopers (PwC) e pelo Ministério da Economia de Portugal.

Pode ler mais sobre o trabalho de Silva no artigo da American Economic Review “Export Destinations and Input Prices”. Veja também: A coluna VoxDev  e World Bank Research Digest summary  (p. 4) para resumos não técnicos.