Prioridades para o novo ciclo político

CATÓLICA-LISBON
Terça, Junho 3, 2025 - 15:00

Segurança, habitação e emprego, com aumento de rendimento líquido e serviços públicos que funcionem, são áreas em que o novo Governo precisa de dar resposta aos anseios dos cidadãos. Mas há que trabalhar também o longo prazo.

No rescaldo das legislativas, alguns partidos ainda não perceberam que a dicotomia forçada de esquerda versus direita já não tem adesão à realidade dos eleitores. Os vários partidos que fazem dessa luta ideológica a sua bandeira, tiveram, todos somados, menos de 10% dos votos nestas legislativas. A luta política hoje trava-se, em Portugal e em toda a Europa, de um lado entre partidos democráticos e sociais que acreditam na União Europeia, na democracia liberal, num Estado de direito, no mercado livre mas regulado, e num setor público que providencia serviços essenciais e, do outro lado, forças populistas antissistema de instintos autoritários, antidemocráticos, antieuropeus, que acreditam num Estado forte que controla os cidadãos e as empresas, Estado esse que acaba controlado pelos interesses dessas élites que procuram alcançar o poder.

Em democracia a escolha dos eleitores entre estes dois modelos devia ser óbvia, mas, infelizmente, os partidos populistas têm respondido mais diretamente aos anseios e medos da população, com mensagens eficazes, embora sem substância concreta nem densidade de propostas. Essa batalha política está a ser ganha pelos populistas na América e em muitos países do Médio Oriente e da Ásia. Mas a Europa ainda resiste como baluarte das democracias liberais e tem de continuar a mostrar que o seu modelo é o mais capaz de trazer prosperidade. Em Portugal, neste momento, esse centro democrático e social ainda recebeu mais de 2/3 dos votos. Há que honrar esse apoio e garantir que o nosso sistema político e económico, bem como o Estado, respondem eficazmente aos anseios generalizados da população. É preciso por isso governar bem.

Mas governar bem numa democracia moderna é muito difícil. É difícil porque as boas medidas demoram muitos anos a ter efeitos benéficos e a sua eficácia está nos detalhes do desenho das políticas e na qualidade da implementação, não em grandes chavões. Mas a pressão dos media e das redes sociais reduz tudo ao “soundbite” de curto prazo e ao tema mediático do momento. Quem quer discutir os detalhes da sustentabilidade do sistema de pensões quando pode ver a perseguição ao vivo da ambulância que leva ao hospital um político que teve um chilique? A realidade assim mediatizada torna-se um “reality show” constantemente reencenado, no qual os melhores atores vencem sobre aqueles que são melhores líderes.

Por isso, governar bem atualmente não pode ser um exercício de ideologia desligado da realidade concreta dos cidadãos. Tem de ser um exercício de pragmatismo, equilibrando o curto e o longo prazo, construindo a prosperidade futura ao mesmo tempo que se responde aos anseios imediatos das pessoas. Isso traz-nos à situação atual de Portugal. Com um Primeiro-Ministro já indigitado na 5ª feira passada, esta semana deverá ser anunciado um novo governo em Portugal Que prioridades deverá ter esse governo?

A prioridade central deve ser o crescimento económico, em particular através do aumento da produtividade. Mas isso não se faz sem Portugal conseguir atrair mais investimento produtivo. Investimento direto estrangeiro certamente, não apenas para comprar habitação, mas para gerar empregos permanentes e maior atividade económica em áreas onde Portugal pode acrescentar valor, como no ecossistema de empreendedorismo, na investigação e inovação, em centros de competências das multinacionais, na produção energética limpa, na capacidade de promover a transição para a sustentabilidade e na digitalização. Investimento privado também das grandes e médias empresas nacionais, que lideram em setores chave como a saúde, o retalho, as telecomunicações, os serviços de valor acrescentado, a indústria e o turismo, a agricultura, os bens alimentares e as florestas. Empresas essas que devem ser acarinhadas pois no cenário atual de fragmentação em blocos da economia e política mundial, os centros de decisão nacionais e as empresas locais irão ser cada vez mais estruturantes para a Economia de cada país. Aqui não se trata tanto de dar mais apoios, mas sim de retirar restrições, reduzir taxas e acelerar licenciamentos, ou seja, eliminar as barreiras que limitam a capacidade e vontade de investimento das empresas.

A aposta no crescimento requer também investimento público em áreas chave que modernizem o aparelho do Estado e as infraestruturas, não esquecendo a educação e a ciência, áreas com benefícios de longo prazo. Mas também investimento público na enorme prioridade que é a construção de habitação a preços acessíveis, dando assim resposta aos anseios mais imediatos da população.

A outra prioridade é a regulação da imigração e a boa integração dos imigrantes, uma grande preocupação dos cidadãos. A imigração tem sido o motor da economia portuguesa nos últimos anos, com o nível de emprego a bater records todos os trimestres, gerando excedentes na segurança social e alimentando o crescimento de setores chave da nossa Economia. Estamos posicionados para continuar a atrair talento global e jovens qualificados, bem como mão de obra para setores importantes como o turismo, a construção civil, a indústria e a agricultura. Mas temos de definir um modelo inteligente de imigração, atraindo aqueles que mais beneficiam a nossa economia e sociedade e que estão culturalmente mais próximos, enquanto trabalhamos na inclusão linguística e cultural de todos os outros. Ao mesmo tempo, dando meios à polícia para lutar implacavelmente contra as redes de crime organizado que muitas vezes se formam na sequência de fortes vagas de imigração. Essas redes podem ser uma grande ameaça à segurança dos cidadãos, criando um sentimento de medo e gerando perceções erradas sobre o enorme valor da imigração para Portugal.

Segurança, habitação e emprego, com aumento de rendimento líquido e serviços públicos que funcionem, são áreas em que o novo governo precisa de dar resposta aos anseios dos cidadãos. Mas há que trabalhar também o longo prazo. Portugal desenvolveu nos últimos anos estratégias nacionais claras e transversais para algumas áreas importantes para o país, tais como a água como recurso estratégico e a digitalização da sociedade e administração pública, ou a aposta na ferrovia e reforço da mobilidade urbana. Há que avançar com a implementação dessas agendas estratégicas. Na demografia, uma prioridade seria uma política de promoção das famílias e apoio às famílias numerosas, em termos fiscais e educativos. Precisamos de aumentar a natalidade para ter viabilidade futura enquanto país, mesmo que os efeitos só se sintam no longo prazo.

Como nota final, outra aposta importante é a continuada qualificação da força de trabalho e a promoção da aprendizagem ao longo da vida. Apraz-me referir que Portugal tem-se diferenciado na área da formação executiva em gestão desde que, em 2007 e durante 18 anos consecutivos, a CATÓLICA-LISBON foi pioneira em Portugal ao ser destacada no ranking mundial da formação executiva. Saiu hoje o ranking de 2025 e temos cinco escolas portuguesas nos rankings mundiais e a CATÓLICA-LISBON destaca-se como a 34º melhor escola do mundo em programas customizados para empresas e a 37ª melhor escola mundial em programas abertos ao público, na média dos últimos 3 anos. Portugal pode e deve fazer uma aposta forte no setor da ciência e educação, o qual contribui para o aumento de produtividade e para a atração de talento para o nosso país.

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON