Se as empresas estão hoje posicionadas como atores centrais na economia global, então podem — e devem — assumir um papel ativo na resposta aos desafios ambientais, sociais e éticos do nosso tempo.

 O senso comum diz-nos, habitualmente, que são os países que governam o mundo. E, de facto, isso é verdade quando falamos de "soft power", ou seja, de poder político ou legislativo. No entanto, quando falamos em termos económicos — sejam eles recursos financeiros, humanos ou tecnológicos — a realidade é bastante diferente.

Uma forma simbólica — e poderosa — de ilustrar o peso económico das grandes empresas no panorama global é comparar países e empresas com base nas suas receitas anuais. Em 2016, segundo um estudo da ONG Global Justice Now, 69 das 100 maiores “economias” do mundo eram empresas e apenas 31 eram países. Numa avaliação mais recente, realizada em março de 2025 pelo Center for Responsible Business and Leadership (CRBL), identificou-se um padrão semelhante. Curiosamente, os valores revelaram-se ainda mais expressivos: entre as 100 entidades com maior receita anual no mundo, 74 são empresas e apenas 26 são países.

Esta evolução numérica revela uma tendência clara: ao longo da última década, o poder económico das empresas não só se consolidou, como também ultrapassou o da maioria dos Estados no que diz respeito à geração de receitas anuais. Empresas como a Walmart, a Amazon ou a Saudi Aramco geram mais receita do que o rendimento anual de países como Espanha, Brasil, Austrália, ou mesmo o Canadá e os Países Baixos. Isto posiciona as grandes corporações com um elevado poder de transformação do mundo, uma vez que detêm os recursos necessários para promover o desenvolvimento sustentável e a prosperidade das nossas sociedades.

Mesmo quando consideramos uma métrica diferente — a capitalização bolsista — os dados reforçam este poder empresarial. Segundo o relatório da PwC (Global Top 100 Companies by Market Capitalisation, maio de 2025), a Apple atingiu um valor de mercado superior a 3,3 biliões de dólares norte-americanos, ultrapassando largamente os PIBs de países como França (3,0 biliões) ou o Reino Unido (3,3 biliões). Embora esta comparação utilize medidas distintas — valor de mercado versus produção anual — esta evidencia o nível de valorização e a influência futura que os mercados atribuem às grandes empresas.

Um exemplo particularmente revelador é o da Saudi Aramco, que em 2025 atingiu uma capitalização bolsista de 1,73 biliões de dólares, superando o PIB da Arábia Saudita, estimado em cerca de 1,1 biliões. Ou seja, o mercado atribui à empresa um valor superior ao da produção económica anual total do país que a detém. Enquanto gigante do setor energético, a Aramco desempenha um papel crucial nos desafios da transição energética. As suas decisões podem acelerar (ou travar) a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. Sendo uma das empresas com maior impacto ambiental no mundo, a sua responsabilidade climática é inegável no caminho para o desenvolvimento sustentável global.

Outro exemplo, de uma realidade bem próxima, é o caso do PIB de Portugal. Em 2023, o PIB português foi de aproximadamente 289 mil milhões de dólares norte-americanos, enquanto o valor de mercado da Apple ultrapassou os 3,3 biliões de dólares — mais de 11 vezes superior. Esta comparação evidencia como a valorização atribuída pelos mercados a uma única empresa multinacional pode ultrapassar, de forma esmagadora, a produção económica anual de um país como o nosso.

No setor do retalho, a Walmart merece também uma menção especial. Com uma receita anual de 648 mil milhões de dólares, a empresa supera as receitas governamentais de dezenas de países, incluindo o Brasil, a Rússia, a Áustria e Israel. O volume de negócios da Walmart não só a torna a maior retalhista do mundo, como também um ator económico à escala de nações desenvolvidas. O seu modelo de negócio afeta milhões de trabalhadores, fornecedores e consumidores, influenciando padrões de consumo, direitos laborais e emissões nas cadeias de abastecimento. Por isso, a forma como as empresas de retalho integram critérios ambientais e sociais nas suas operações é determinante para a promoção de cadeias de valor mais justas e resilientes e, consequentemente, para uma sociedade mais equilibrada.

Esta crescente influência das empresas na economia implica uma responsabilidade proporcional no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável. Se as empresas estão hoje posicionadas como atores centrais na economia global, então podem — e devem — assumir um papel ativo na resposta aos desafios ambientais, sociais e éticos do nosso tempo. Isso significa integrar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas suas estratégias de negócio, adotar práticas justas ao longo da cadeia de valor, respeitar os direitos humanos e contribuir para a transição energética justa. Os ODS são um plano de ação global, adotado por 193 países, que oferece uma linguagem comum para enfrentar problemas complexos como as alterações climáticas, a pobreza, a desigualdade e a exclusão. Estão, atualmente, em debate e revisão, com vista à construção da próxima agenda de desenvolvimento sustentável até 2050. Ao incorporar estes objetivos, e os que os sucederem, nas suas estratégias as empresas não só mitigam riscos e reforçam a sua reputação, como também criam oportunidades de inovação, eficiência e impacto positivo nas regiões onde atuam.

Não há dúvida de que os países continuam a ser os principais garantes do bem comum, com a responsabilidade de regular os mercados, definir políticas públicas e criar incentivos para uma economia mais justa e sustentável. De facto, os governos têm os poderes legislativo, fiscal e diplomático necessários para enquadrar a atividade empresarial e assegurar que o progresso económico não acontece à custa das pessoas ou do planeta. Além disso, compete aos países garantir a articulação entre as políticas nacionais e os objetivos globais de desenvolvimento sustentável, promovendo parcerias multissetoriais e mobilizando os recursos necessários para transformar compromissos em resultados mensuráveis. Sem uma governação pública eficaz, orientada por uma agenda global como os ODS, mesmo os esforços empresariais mais ambiciosos terão impacto limitado.

Em suma, a comparação entre empresas e países revela mais do que uma curiosidade estatística. Mostra um mundo em que o setor privado deixou de ser apenas “um dos atores” para se tornar, em muitos casos, um dos protagonistas centrais, com um poder imenso para promover a mudança de que o mundo precisa. Esse protagonismo empresarial implica, necessariamente, responsabilidade. O sucesso da Agenda 2030, e da que lhe suceder, dependerá da capacidade de construir um alinhamento estratégico entre empresas e governos, onde ambos adotem os objetivos globais como uma bússola comum para a prosperidade humana. Só assim será possível garantir que a criação de valor económico caminhe lado a lado com a criação de valor social, ambiental e democrático — elementos indissociáveis de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

Filipa Pires de Almeida - Executive Director – Center for Responsible Business and Leadership | Adriana Zani - Investigadora Center for Responsible Business & Leadership da CATÓLICA-LISBON