As implicações do MiCA e do Pilot DLT nos pagamentos do espaço SEPA

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Sexta, Novembro 11, 2022 - 11:00

Estas duas leis vão ter um impacto enorme, pois a União Europeia decidiu avançar com dois regulamentos em vez de diretivas, os quais permitem acelerar, tanto quanto possível, a adoção da lei de forma coordenada e consistente por todos os Estados-membros.

 

Já aqui falámos do MiCA e do Pilot DLT, dois regulamentos europeus em marcha no sentido da adopção da auto-execução ecossistémica na UE. Sabendo que os regulamentos entram em vigor 20 dias depois da sua publicação no jornal da UE, o Pilot DLT já entrou, pois foi publicado em Março de 2022, enquanto já se sabe que o MiCA vai ser finalmente aprovado no parlamento europeu em Fevereiro de 2023. Estas duas leis vão ter um impacto enorme, pois a União Europeia (UE) decidiu avançar com dois regulamentos em vez de directivas. É que, de acordo com o art.º 288 do tratado da UE, aqueles permitem acelerar, tanto quanto possível, a adopção da lei de forma coordenada e consistente por todos os Estados-membros.

Mas uma coisa é a entrada em vigor de um regulamento e outra completamente diferente é a data da sua aplicação, pois, uma vez que esta forma de legislar não precisa de ser transposta para a lei de cada país em particular, é normal haver um período de carência para que as estruturas públicas dos países tenham tempo de se preparar. Assim, o Pilot DLT vai ser o primeiro a ser aplicado pelos vários Estados-membros, com data marcada para Março de 2023, 12 meses depois da sua entrada em vigor, e o MiCA 18 meses depois, isto para que os Estados-Membros também tenham tempo para se preparar.

Relembro que o Pilot DLT trata da tokenização de acções e obrigações, o que permitirá a sua negociação em mercados secundários suportados por tecnologia Blockchain. Já o MiCA trata de proteger os investidores que apostam em Utility Tokens fungíveis (referidas na lei como criptofichas de moeda electrónica), incluindo Stablecoin (referidas na lei por criptofichas referenciadas a activos), protegendo assim quem invista em ICO de qualquer tipo (Initial Coin Offerings).

Porém, há dois capítulos do MiCA que vão ser aplicados antes dos 18 meses estipulados. No documento encontrado no repositório oficial da EU (EuroLex) aparece a inequívoca indicação de que “as disposições estabelecidas no Título III e no Título IV são aplicáveis a partir da data de entrada em vigor”.

Porém, a versão do mesmo documento anunciada pelo Ecofin (Economic and Financial Affairs Council), e que parece ser a que vai ser aprovada, refere a aplicação dos mesmos dois Títulos para 12 meses mais tarde. Ora, é precisamente esta parte do regulamento que vai ter implicações nos pagamentos, pois tratam da legislação relativa às Stablecoin a emitir ao abrigo das regras pan-europeias agora definidas. Ou seja, a partir da sua aplicação, as entidades incumbentes ao abrigo do licenciamento previsto no regulamento (e são muitas!) já podem oferecer Stablecoins do tipo (i) criptofichas referenciadas a activos (asset-backed tokens, em inglês), e (ii) criptofichas de moeda electrónica (e-money tokens, em inglês).

O Título IV do MiCA refere que as instituições já com licença para operar sistemas de pagamentos estão autorizadas a oferecer criptofichas de moeda electrónica, i.e., tokens que representam Stablecoins aceites legalmente como moeda fiduciária para pagamentos no ponto de venda, desde que cumpram as regras habituais e informem os reguladores. Já as entidades sem licença, e que queiram começar a oferecer serviços de pagamento com estas Stablecoins, mais não têm de fazer do que a pedir, ao abrigo da Diretiva 2009/110/CE (artº2, nº1). Significa então que estes pagamentos em Stablecoin serão iguais aos euros digitalizados no sistema bancário do espaço SEPA, sendo, portanto, uma simples extensão da massa monetária habitual. De notar que estes regulamentos fazem questão em clarificar o chamado “passaporte” de serviços financeiros, pelo que, os que forem aprovados por qualquer Estado-membro, podem ser fornecidos livremente em todos os outros.

Por outro lado, e de acordo com o Título III do MiCA, pode também ser pedida uma licença aos reguladores para emitir Stablecoin na forma de reserva de valor referenciada a activos (asset-backed Stablecoin) para gerir as compensações bancárias, o que é aliás referido pelo o Pilot DLT para a transacção das acções e obrigações tokenizadas! Tudo indica, portanto, que estas se vão comportar como uma nova forma de gerir a massa monetária da economia incumbente no sentido da liquidez de todo o tipo de pagamentos. Será que vai chegar ao ponto de não precisarmos sequer de um Euro Digital?

 

Paulo Cardoso do Amaral, Professor na CATÓLICA-LISBON