The worst (non) measure in the State Budget and the CGD's praise

CATÓLICA-LISBON
Tuesday, October 17, 2023 - 10:15

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Pode-se argumentar que o IRS Jovem impede os jovens de emigrar e o Programa Regressar atrai os portugueses que estão no estrangeiro. Mas esta é uma visão muito pequenina. Portugal ou entra na rota global do talento mundial ou está reduzido à sua pequenez e à visão curta dos seus governantes.

Na proposta de orçamento do OE para este ano há uma medida que é tão errada que o Governo até teve vergonha de a mencionar na proposta do orçamento de Estado, embora esteja previsto avançar com ela: terminar o regime fiscal para Residentes Não Habituais. Neste regime, quem mude para Portugal e não tenha sido residente nos cinco anos anteriores tem direito a uma fiscalidade favorável durante 10 anos com taxas de IRS de 20% para rendimentos de profissões de elevado valor acrescentado (10% para rendimentos de pensões).

O primeiro-ministro argumentou que o programa tinha cumprido o seu papel (mas não disse qual era esse papel), indicou que o programa tinha sido em parte responsável pela crise na habitação (mas não deu dados) mas concordou que o programa funciona para atrair e reter talento já que 59% dos beneficiários deste regime se mantêm em Portugal passados os dez anos. Recentemente foram publicados os dados fiscais de 2022 que indicam que o programa gerou uma despesa fiscal de 1508 milhões de euros, fruto dos descontos de impostos concedidos no âmbito deste programa.

Esta análise é obviamente enviesada, pois o ponto principal é que muitos destes beneficiários não seriam residentes em Portugal nem cá pagariam qualquer imposto se não fosse este programa. Assim, o programa provavelmente não custa dinheiro, pelo contrário, traz receita fiscal e atividade económica.  Para perceber como, deixo um exemplo. Um executivo sénior de uma multinacional europeia com responsabilidades globais pode escolher viver em qualquer país. Aufere 120,000 euros anuais e ponderava viver em Portugal a partir de 2024. Com o estatuto de residente não habitual pagaria 30% do seu rendimento em impostos e segurança social sobrando-lhe 85,000. Fez a contas e percebe que pode viver confortavelmente em Portugal com os seus dois filhos os quais colocaria em escolas privadas. A empresa deslocalizaria esta executiva e pagaria o seu salário em Portugal entregando 28,500 euros em segurança social ao Estado por ano. Mas sem este estatuto a executiva passaria a pagar mais de 55% do seu rendimento – 11% de segurança social e cerca de 44% de IRS médio, com uma taxa marginal de 50.5% sobre qualquer rendimento extra. Fica-lhe menos de metade do salário (55,000 euros). Neste contexto, faz as contas e decide não mudar. Se mudasse apareceria uma “despesa fiscal” em IRS com esta executiva de mais de 25,000 euros anuais. Na realidade o Estado Português acabou de perder 21,500 euros de IRS e 40,000 euros em segurança social, sem falar de todo o IVA perdido nos consumos que não foram feitos e na perda de um posto de trabalho altamente qualificado e de salário elevado.

O mundo está numa guerra por atrair e reter capital humano. Na última década, Portugal tornou-se um país muito atrativo para o talento global pois juntou aos seus dotes naturais (segurança, clima, hospitalidade, cultura, história) um regime fiscal competitivo. Entrou nos radares e circuitos de deslocalização de pessoas de qualificação e rendimento elevado, pessoas que realizam consumos elevados, que alugam ou compram casas (num nível diferente da média nacional) e que geram receita fiscal direta e indireta através da atividade económica que trazem. E depois deste esforço todo vai-se acabar com o programa! Pode-se argumentar que o IRS Jovem impede os jovens de emigrar e o Programa Regressar atrai os Portugueses que estão no Estrangeiro. Mas esta é uma visão muito pequenina. Portugal ou entra na rota global do talento mundial ou está reduzido à sua pequenez e à visão curta dos seus governantes.

A CATÓLICA-LISBON tem uma política de atrair os professores mais talentosos de todo o Mundo e não consegue ser competitiva para atrair talento global sem este estatuto fiscal. O Governo no OE propõe uma nova medida que mantém este regime para professores universitários e investigadores pelo que esta alteração não nos afeta diretamente. Mas afetará todas as empresas que tinham como estratégia localizar em Portugal recursos humanos altamente qualificados e afeta muito do talento global que pensou em Portugal para viver e desenvolver a sua atividade qualificada. Espero que o bom senso impere e que o Governo opte por manter este regime ativo, podendo apenas fazer alguns ajustes que sejam equilibrados sem reduzir a sua competitividade a nível internacional.

Nestes artigos de opinião é importante “criticar”, mas também reconhecer o mérito. No ano passado critiquei a Caixa Geral de Depósitos pelos planos anunciados de arrendar parte do espaço disponível na sua sede para albergar a sede do Governo e de muitos dos Ministérios. Considerei que a co-localização do Governo com o maior Banco Público não seria nem desejável nem natural. E no início do ano fui crítico por a banca portuguesa estar a remunerar miseravelmente os depósitos dos portugueses, criando um gap face aos bancos europeus difícil de entender e levando os portugueses a transferir as suas poupanças para Certificados de Aforro.

Tenho aqui de elogiar a atuação recente da CGD nas duas dimensões. O tema da sede da CGD foi tratado de forma exemplar. A CGD entregou o seu edifício sede (um enorme e imponente construído numa época em que a banca tinha uma estrutura de pessoal diferente da banca atual e que está agora largamente sobredimensionado para as necessidades) como parte do dividendo ao Estado este ano, num montante definido por entidades avaliadoras credíveis e numa operação acompanhada de perto pelo BCE. As entidades do Governo vão começar a mudar para o edifício ao longo do próximo ano e a CGD está a fazer planos para mudar os seus serviços centrais para outras instalações, mais bem dimensionadas e mais eficientes. Ganha a CGD em racionalidade económica e capitalização, ganha o Estado aumentado o seu património com um edifício central de grande dignidade onde equipas de vários ministérios podem trabalhar em conjunto, podendo agora o Estado libertar os outros edifícios onde operavam de forma fragmentada esses ministérios. Um tema gerido com rigor e transparência em que ficam todos a ganhar.

Felicito também a CGD por ter assumido o seu papel de banco público ao subir substancialmente as taxas de depósito. Um grande banco público não pode ser gerido apenas para maximizar os seus lucros e o dividendo que entrega ao Estado pois, se o fizer, torna-se igual a qualquer banco privado. Num contexto em que os maiores bancos não refletiam nas taxas de depósito o aumento dos juros do BCE, a CGD mudou a situação no mês passado, oferecendo taxas de depósito de 3.5% aos seus clientes. A decisão da CGD, dado ser o maior banco em Portugal com cerca de 2M de clientes, obrigou os outros bancos a reagir e a oferecer taxas pelo menos equivalentes para os seus clientes não transferirem os seus recursos para a CGD. E tendo em conta que qualquer banco consegue colocar as poupanças que capta dos seus clientes a render no BCE a 4%, é da mais elementar justiça que ofereçam 3.5% aos seus clientes. Penso que agora a remuneração dos depósitos vai refletir de forma mais justa a realidade económica e beneficiar os portugueses.

E uma nota final de Parabéns ao The Lisbon MBA Católica – NOVA que sobe 21 posições no ranking do Financial Times do Melhores Executive MBAs do mundo divulgado esta semana. O nosso programa de MBA para executivos com experiência profissional ascende assim ao top 65 mundial e top 35 europeu. Esta distinção mostra que Lisboa continua a reforçar a sua posição como hub mundial de formação em Gestão, com escolas e programas de extraordinária qualidade, capazes de atrair o melhor talento. E, já agora, que haja regimes fiscais competitivos para que este talento tenha mais razões para escolher desenvolver a sua carreira em Portugal.

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON