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Terá o economista John Kenneth Galbraith escrito em 1962, numa carta ao então Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy:

 ‘A política não é a arte do possível. Ela consiste em escolher entre o desastroso e o não palatável’. 

Sessenta anos depois, e relativamente às escolhas alimentares que a Humanidade enfrenta, caso queira ter um futuro neste planeta, é difícil não ver as semelhanças: as nossas escolhas alimentares, de produção, distribuição e consumo, têm sido desastrosas, o que temos de opções para o futuro não será certamente palatável pelos padrões atuais, e há um coro de vozes indignadas por um grupo de cientistas ter tido a audácia de vir a público sugerir que mudássemos de vida, como se isso fosse opção. E ainda por cima de forma organizada, concertada e consubstanciada numa comissão internacional criada por eles para o efeito, que publica matéria de livre acesso em todas as línguas possíveis e apresenta de forma clara, claríssima, os problemas, as estratégias, as metas e as soluções concretas relativamente à alimentação do futuro.

Por esta altura, quem me lê já sorri e pensa – realmente, olha o que havia de dar a estes cientistas, meterem-se em política. Explica-se bem: são jovens, têm acesso às evidências em primeira mão, são frequentemente acusados de não produzir nada com interesse prático e são humanos. Provavelmente ficaram fartos e fartas de assistir à humanidade às cabeçadas com a realidade e decidiram passar à ação, pondo as mãos à obra e usando as suas competências, as suas redes de contatos e o digital. Uma nota para os que, duas décadas depois, ainda estão agarrados ao séc. XX – isto agora funciona assim.

Em 2019, a Comissão EAT-Lancet 1.0, composta por 37 cientistas de 16 países, publicou o primeiro conjunto de metas globais para dietas saudáveis e estabeleceu seis limites ambientais para a produção de alimentos, sinalizando “o impacto desproporcionalmente grande” que o consumo alimentar atual tem no planeta. A pedra de toque do seu trabalho foi a proposta de uma dieta de referência global - “A Dieta de Saúde Planetária”  - recomendando, entre outras coisas, que se promovesse a redução do consumo global de carne vermelha e açúcar em mais de 50% até 2050, apontando que tal alteração ajudaria a travar a degradação ambiental e preveniria até 11 milhões de mortes prematuras de adultos por ano.

No meio dos muitos que saudaram esta primeira tentativa séria de lidar com a alimentação do futuro, existiram uns tantos (cientistas) que afirmaram tratar-se essencialmente de um conjunto de “afirmações politicamente alarmistas”, de “medidas sem aplicabilidade prática” e “simples truísmos com pouca orientação estratégica”, e onde não se dava a devida importância a “uma governança de baixo para cima”. Percebe-se: ao longo da sua carreira tinham tido zero iniciativa para criar uma comissão global para tratar deste assunto – de cima para baixo, de baixo para cima, ou em qualquer outra direção possível -, e também não tinham sido convidados para esta – ficaram chocados com tanta audácia. Mas o que disseram, ou fizeram, não deixará de ter sido altamente eficaz, o que não espantará os mais conformados com essa característica tão humana de preferirmos que as coisas fiquem como estão.

Chegado o verão de 2022, assistiu-se ao lançamento da Comissão Lancet 2.0. Esta é agora composta por “25 comissários de 19 países, para refletir diversas perspetivas em todos os continentes e em vários campos, incluindo saúde humana, agricultura e pecuária, ciência política, mudança de comportamento, justiça alimentar e sustentabilidade ambiental.” Diz a fundadora da Eat, Gunhild Stordalen, que se observou “um grande progresso desde o EAT-Lancet 1.0”, e que “isso deve ser aplaudido”. Mas, segundo ela, “ainda não há consenso sobre as metas globais, e isso significa que as principais tendências ainda não se inverteram”; portanto, o “O EAT-Lancet 2.0 irá reafirmar e confirmar as evidências necessárias para ultrapassar esta situação”.

A Comissão Lancet 2.0 planeia produzir o seu primeiro relatório em 2024, onde reportará sobre o progresso no tal consenso sobre as metas globais. Entretanto, é natural que as alterações climáticas, a guerra, a recessão económica e outras crises continuem a fazer o seu caminho, indiferentes ao nosso amor pelo status quo e à nossa dificuldade em decidir entre o desagradável e o não palatável – ou seja, em enfrentar a realidade e tomar decisões difíceis sem procrastinar.

Posto de outra forma, assistimos finalmente ao encontro da ciência com a arte do possível. Aceitam-se apostas sobre o desenlace, mas por este é melhor esperarmos sentados. Ao contrário dos 56 casais de jovens portugueses que, felizmente, acharam que este mês é tão bom como outro qualquer para mudar os seus hábitos alimentares e fazer a sua parte pelo futuro do planeta - a esses só posso dizer muito obrigada e sejam bem-vindos ao ChangeEat!  E por favor façam melhor do que nós.

Ana Isabel Costa, Professora na CATÓLICA-LISBON

 

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