Às vezes é mesmo assim. Acordamos bem dispostos. Tão bem dispostos que sentimos a energia a tiritar da cabeça aos pés e até às pontas das mãos, pronta para ser empregue num qualquer tema que valha a pena. E nesse dia não damos tréguas. No dia de hoje esse tema é o vídeo. Mais concretamente a insistência na díade que opõe vídeos curtos vs vídeos longos.

Todos temos o direito a ter as nossas opiniões. Bem como as nossas lutas. A deste artigo versa na apologia, por vezes sem confronto, em redor das maravilhas dos vídeos curtos e do desdém pelos vídeos longos. Mas os sinais são o contrário.

Basta olharmos ao famigerado TikTok. Vídeos curtos. Na vertical. Pronto. E antes dele ao Snapchat e à cópia mais tarde das Stories pelo Instagram. Que também imitou os vídeos curtos com os Reels. E depois o YouTube com as Shorts. Estava criada a montanha. Que pariu teorias, fatalismos, ideologias, convenceu investimento em estudos, em teses, em conferências. E bem. Porque é no debate que florescem as ideias e o esclarecimento. Mais ainda com investigação científica. Factos.

Falemos deles.

Quando vamos à procura de dados sobre consumo de vídeo salta logo à vista que as plataformas de streaming não aparecem. A razão é simples, a data destas é reservada, secreta e preciosa. Depois vem outro manancial de consumo de vídeos: a TV. Sim, sim. Essa mesma. A dita extinta, morta e enterrada – só que não, com consumos diários de 4h30 a 5h30 por dia. Veja-se lá: com “vídeos” no ar de 30 minutos, uma hora e mesmo mais. Todos os dias.

Ao invés, pululam na internet talhados para a pesquisa inúmeros artigos de marketing digital sobre a duração ideal do vídeo para a internet, com truques de edição, recomendações estilísticas e, claro, a defesa da duração curta.
Encontramos depois factos curiosos. Voltemos ao TikTok e à duração inicial dos vídeos. Ainda se lembra? Isso mesmo, 15 segundos (era a duração que permitia usar músicas sem pagar royalties… até ao dia em que isso acabou). E depois? Aumentou para três minutos. E desde fevereiro deste ano? Acertou de novo, aumentou. Agora são 10 minutos. Nota alguma coisa?

Voltemos ao dinossáurio Facebook. Recomendação recorrente: os primeiros dois a quatro segundos contam e são os que garantem o ficar/abandonar do utilizador. Vemos alguns estudos (Meta, WARC, Statista, etc.) e verificamos que o tempo médio de visualização de vídeos é 4,57 segundos nesta plataforma. Mas quando comparamos com o tempo ideal de um vídeo em direto tudo muda, como provou o estudo da Buzzsumo onde se exige um mínimo de 15 minutos (leu bem, minutos) pois é a duração que gera mais interações de qualidade (havendo outros requisitos a ter em conta além da duração).

Para adensar mais o debate, vamos consultar relatórios do próprio YouTube. Tempo médio dos vídeos mais vistos? 25 minutos para o gaming, 20 para séries e animação, 13 para entretenimento. Relembro portanto um tema já partilhado por aqui nesta coluna há uns meses: a distinção entre plataformas de flow (Instagram, TikTok, Snapchat, Twitter) e stock (SVOD, AVOD, YouTube). A natureza das mesmas, se é do tipo “time-killer” propicia um consumo do estilo zapping, logo de vídeos curtos. Mas do outro lado do espectro temos os mesmos utilizadores a fazer um investimento demorado em podcasts, ensaios-vídeo, palestras, entrevistas, demos, análises, etc., que vão dos escassos minutos até mesmo 1h ou mais.

Por isso, sim, deve acreditar que os vídeos curtos funcionam. Mas também, sim, os vídeos longos idem. Ao invés de se bater pelo zapping de vídeos que não se demoram muito tempo na memória dos seus fãs, clientes e seguidores, veja como investir também em conteúdo de stock, durável, evergreen, imersivo. Lembre-se que, das 58 vezes que abrimos o telemóvel por dia, há 40 vezes em que nos demoramos dois minutos ou menos; há 15 vezes em que despendemos cinco ou seis minutos e há três vezes, em média, em que nos deixamos ficar para lá de 10 e 20 minutos. Se nalguns momentos só queremos ser lembrados, noutros vale a pena apostar para sermos vistos, memorizados, considerados e falados.

Com isto, é fácil perceber os vídeos que são custo e os que são investimento.

 

Ricardo Tomé, professor na CATÓLICA-LISBON