As ações mais seguras (as “aborrecidas”) parecem ser bons investimentos, em média, e ainda mais em tempos “aborrecidos”. Num estudo publicado este ano no Journal of Financial Economics, uma publicação de topo em Finanças, coautorado por Andrew Detzel da Baylor University (EUA), Paulo Maio da Hanken School of Economics (Finlândia) e por mim próprio, documentamos este padrão e testamos várias explicações. A mais convincente nos nossos testes é a da existência de incentivos perversos no universo da gestão de fundos. Este artigo resume os resultados do estudo.

Uma das relações mais bem estudadas em economia financeira é a relação entre risco e retorno. Em média, classes de ativos mais arriscadas, como ações, têm retornos mais altos do que obrigações ou depósitos a prazo com menor risco. É como deve ser. Porém, a diferença é pequena quando se comparam ações com diferentes níveis de risco. Isso resulta na chamada anomalia de baixo risco pela qual investimentos em ações mais “aborrecidas” têm retornos demasiado altos para o seu risco. Este padrão é um mistério sem nenhuma explicação universalmente aceite e tem sido intensamente estudado e debatido nos últimos 50 anos.

Para contexto, no mercado acionista há empresas com risco baixo, como utilities (EDP, REN, por exemplo) ou empresas com vendas muito estáveis (Unilever e Coca-Cola, por exemplo). Há outras com risco muito mais alto como a TESLA. A medida de risco do modelo mais usado (o CAPM) é o beta, que mede como as ações de uma empresa respondem a flutuações no mercado. Para ilustração, quando o mercado cai 10% a TESLA em média cai 20%, tendo portanto um beta de 2 (=20%/10%, o rácio). Já a REN cai apenas 2%, pois tem um beta de apenas 0.2.

Exigir retornos maiores por risco mais elevado é o que seria expectável. Mas é o que acontece? Sim. Nos últimos 60 anos, nos EUA, as ações de beta alto tiveram prémios de risco cerca de 30% superiores ao das com beta baixo (comparando os decis extremos). Porém, obtêm esses retornos com quase o triplo do risco (aproximadamente 270%). Isso implica que uma estratégia que investe consistentemente nas “aborrecidas” e aposta contra as “arriscadas” tem retornos anormalmente altos de cerca de 5% a 6% ao ano.

Várias explicações têm sido propostas para explicar a anomalia de risco baixo. Para tirar partido dela, um investidor tolerante face ao risco deveria pedir dinheiro emprestado para investir numa carteira alavancada de ações aborrecidas. É possível que nem todos os investidores com essa tolerância estejam disponíveis para arriscar a possibilidade de falência que daí advém. (Aliás, alguns investidores institucionais estão restritos na sua capacidade de alavancar os seus investimentos pelos seus reguladores, ou até proibidos

de o fazer.) Outra possível explicação assenta na ideia que as ações mais arriscadas também têm mais potencial de subida. O rácio de retorno em relação ao risco pode ser fraco, mas têm um aspeto de “bilhete de lotaria” pois podem ter retornos muito mais altos num cenário feliz, ainda que esse cenário seja muito improvável. Haverá investidores com preferências por esse tipo de investimentos.

Mas o nosso estudo suporta outra explicação. Esta assenta na ideia de que investidores profissionais são tipicamente recompensados por baterem o mercado em termos de retornos e não em termos de retornos ajustados ao risco (que é como deveria ser). Também têm o incentivo para atrair capital para os fundos sob gestão. Uma forma eficaz de o fazer é comprar ações com risco alto na expectativa de um ano bom no mercado. É então que as ações de risco alto se dão melhor e, ao mesmo tempo, quando os investidores colocam mais capital nos fundos. Isto cria um duplo incentivo para investidores institucionais preferirem ações com risco alto, apesar dos retornos baixos dessas ações para o seu nível de risco.

No nosso estudo, constatamos que o investimento em ações aborrecidas funciona melhor em tempos de menor volatilidade (“aborrecidos”). Isto confirma a tese dos incentivos distorcidos dos gestores de fundos. Nos nossos testes confirmamos que estes gestores tendem a preferir ações de risco alto. Também cortam substancialmente nas suas posições quando a volatilidade sobe, para gerirem o seu risco em relação ao mercado. Por outro lado, assumem muito mais risco quando a volatilidade baixa, vendendo ações aborrecidas justamente quando elas adquirem um perfil mais interessante. Ou seja, observamos um comportamento racional nos profissionais, mas com incentivos errados.

O nosso estudo indica que algumas empresas de gestão de ativos deveriam repensar os sistemas de incentivos. Mas isso não é óbvio pois são respostas racionais ao comportamento dos investidores particulares nos seus fundos. Por outro lado, investidores que queiram melhorar a eficiência das suas carteiras podem beneficiar de prestar mais atenção a esta qualidade negligenciada das ações aborrecidas em tempos aborrecidos. É quando estas vencem, tal como a tartaruga da fábula.

Pedro Barroso, Diretor Científico do Master in Finance (MIF) da CATÓLICA-LISBON | Executives