Há exatamente um mês celebrou-se o Dia Internacional da Saúde Mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de mil milhões de pessoas, o equivalente a aproximadamente 100 vezes a população portuguesa atual, padecem de algum tipo de transtorno mental. Estes fenómenos, que teimam em ir deixando vestígios nocivamente impercetíveis ao olhar dos mais desatentos, agravam-se naturalmente naqueles que, por ignorância ou descrença, os decidem descredibilizar. Ao deparar-me com a pesquisa necessária à elaboração de um tema necessário e fraturante para todos nós, fui encontrando diversos documentos, fruto dessa mesma pesquisa, até que cheguei a um exercício lançado pela OMS que me deixou a refletir durante um bom par de horas: Se tivesse de construir uma imagem sobre doentes mentais tendo como base as campanhas de marketing feitas sobre o tema, qual seria?

A pergunta, por si só, é já intrigante, dado que estamos a conjeturar o papel do marketing ou a ausência deste em relação a uma doença que afeta tantas pessoas. Ainda assim, insisti em pensar numa resposta possível, o que inevitavelmente me levou a números ainda mais assustadores do que a pergunta per si. Segundo o INE, em 2021, mais de um quarto da população portuguesa acima dos 16 anos admitia ter tido a sua saúde mental afetada negativamente com a pandemia. Em março de 2021, Portugal ocupava o primeiro lugar num ranking que avaliava o risco de burnout na União Europeia. Segundo um estudo do PORDATA de 2019, estimava-se que existiam cerca de 900 mortes por suicídio anualmente em Portugal.

A depressão é atualmente a maior causa de incapacidade no mundo, e o marketing teve a sua quota-parte nestes números. Foi um instrumento que perfilou o doente e a doença mental, ainda que porventura sem saber das consequências a longo prazo. Fê-lo de forma ingénua, e eventualmente desinformada, saciando a curiosidade dos seus consumidores ao confirmar erroneamente aquilo que qualquer leigo percecionava: depressão é tristeza aparente e justificada.

Contudo, um dos fatores positivos da pandemia, muito provavelmente um dos poucos, foi o trazer à tona vários corajosos e altruístas que, ao enfrentarem os seus demónios, diminuíram os dos outros, que desesperadamente esperavam por conseguir vislumbrar uma luz ao fundo do túnel. Graças a estes, os heróis desta história, o marketing converteu-se, mesmo que apenas em parte, num instrumento de consciencialização e normalização, elevando a sua função para serviço público.

Há uns tempos, circulava uma campanha de prevenção ao suicídio e de consciencialização para a depressão pelas redes sociais que me confirmou que estamos a evoluir, que o marketing pode e deve ser usado para um bem maior! Tratava-se de um conjunto de pessoas reais que, à época daquelas fotografias, estavam a passar por momentos depressivos que, infelizmente, terminaram na sua morte por suicídio. Estavam todos, sem exceção, a sorrir. Estavam aparentemente bem. E é isto que o marketing tem de compreender - a doença mental não tem rosto, não tem uma definição comum e estagnada. O Marketing tem este poder - é capaz de destruir pressupostos errados, mas infelizmente já foi responsável pela construção de tantos outros. Muitas vezes, diaboliza a saúde mental e estigmatiza-a, associando-a a perfis violentos ou pessoas com fracas condições de vida. Outras vezes, passa uma visão negativa sobre formas de tratamento que são necessárias e essenciais.

E a verdade não é esta. A doença mental não escolhe géneros, tons de pele, crenças ou condição social.

Sabendo o poder que o posicionamento de um conteúdo pode ter aos olhos de quem o consome, é necessário um responsabilizar coletivo das entidades que ditam os comportamentos desta indústria, por uma conduta sustentável e exemplar. Ao momento presente, essa responsabilidade não é mais que moral, mas não tem necessariamente que deixar de o ser.

Numa atualidade altamente polarizada política, social, e economicamente, torna-se difícil saber que posicionamento tomar de forma a maximizar a captação de um público prematuramente distraído e segmentado. Simultaneamente, a saturação de pontos de interação com o mesmo, dificulta ainda mais o sucesso de qualquer campanha. Surge então uma oportunidade orgânica de interação com os consumidores.

À falta de um termo melhor, o "marketing educativo" tem tocado o coração das pessoas, melhor e mais difícil cliente de qualquer organização, para as mais variadas causas. Relembro a campanha da Always, "Like a girl", vencedora de um Emmy entre muitos outros prémios, que sensibilizou o mundo para algo que parecia tão natural que passava ao lado das próprias vítimas. Soa familiar?

Há, neste momento, espaço e interesse para que as instituições se posicionem como estandartes de causas sociais transversais, e para que sejam simultaneamente holofotes e megafones de campanhas cujas motivações ultrapassem os interesses exclusivamente monetários.

Numa realidade em que a metadata permite saber o canal, momento, e valor para o posicionamento ideal para qualquer público-alvo, cabe aos profissionais do marketing elevar a pirâmide da construção estratégica das suas marcas e antes de qualquer ação, missão, e visão, estabelecer valores que levem a uma humanização das suas estruturas, e consequentemente, dos seus outputs.

Direcionando, o ódio relacional entre o Marketing e a Saúde Mental, consequente de uma perpetuação de interações desinformadas, inconsequentes, e próximo de desumanas, está longe de ser irreversível, como acima referido. O tema, que ainda surge maioritariamente enquanto ativismo/advocacia social e humanitária, mostra-se intrinsecamente predisposto a colaborar com os veículos do marketing dito "tradicional" de forma a expandir a sua atuação e eficácia, até ao ponto da sua menção se tornar redundante.

Se há uns tempos o Marketing era veículo de desinformação e de estigmatização das doenças e dos doentes mentais, hoje pode ajudar a construir uma história de amor, começando no perdão sincero e numa mudança de posicionamento de um Marketing desinformado para um Marketing responsável, realista, e missionário no que toca à sensibilização, normalização e desestigmatização das perturbações do foro mental. Cabe-nos a nós, profissionais de marketing (e, naturalmente, cidadãos pró-ativos), envolver-nos nesta tendência positiva. É a função do Marketing construir campanhas realistas sobre as mensagens que explora, seja esta ou tantas outras que ainda existem por aí.

André Alves, Deputy Marketing Director na CATÓLICA-LISBON e João Francisco Lima, Enterprise Business Development Representative na Slack