Durante demasiado tempo, o mercado de trabalho tem olhado para as pausas profissionais como interrupções. Mas e se começássemos a vê-las como momentos de crescimento, de aprendizagem silenciosa, de desenvolvimento de competências que não cabem num CV tradicional?

Milhares de mulheres em Portugal fizeram uma pausa na carreira para cuidar da família. Algumas para acompanhar os primeiros anos dos filhos, outras para apoiar pais e sogros idosos ou familiares em situações delicadas. O que têm em comum? Uma experiência de vida rica, uma capacidade de adaptação notável, enorme resiliência e uma vontade enorme de voltar a contribuir — com mais maturidade, mais foco e mais propósito.

O Talento invisível está pronto para ser visto

O mercado continua a penalizar o “intervalo” no percurso profissional. Os algoritmos de recrutamento descartam CVs com pausas. Os recrutadores hesitam. E muitas mulheres, mesmo com formação superior e experiência relevante, sentem-se excluídas de um sistema que valoriza a linearidade em detrimento da diversidade de trajetos.

Mas há uma mudança a acontecer. E está a ser liderada por iniciativas como o programa Back-to-Market da CATÓLICA-LISBON, que está a transformar o regresso ao trabalho em algo mais do que possível — está a torná-lo poderoso.

Uma nova porta de entrada para mulheres qualificadas

O Back-to-Market é um programa gratuito, desenhado para mulheres com formação ou experiência em áreas como Gestão, Economia, Finanças ou Engenharia, que estejam afastadas do mercado há pelo menos um ano. Durante 12 semanas, as participantes mergulham em projetos reais com empresas reais, acompanhadas por professores e especialistas que as ajudam a atualizar competências, ganhar confiança e expandir redes de contacto.

Não se trata apenas de formação. É uma experiência de reconexão com o mundo profissional, com o próprio potencial e com novas possibilidades. É um espaço onde o talento volta a respirar.

Mais do que estatísticas, são histórias de transformação

Os resultados falam por si: cerca de 65% das participantes com menos de 50 anos regressam ao mercado de trabalho após o programa. Entre as que têm mais de 50 anos, 1 em cada 3 encontra novas oportunidades — seja em empresas, no terceiro setor ou através de projetos próprios.

Mas o verdadeiro impacto vê-se nas histórias individuais. Mulheres que voltam a acreditar em si. É extraordinária a mudança de postura e o brilho nos olhos das mulheres entre o início e o fim de cada edição do programa. É uma mudança na forma como enfrentam entrevistas com segurança. É uma mudança na forma como deixam de pedir desculpa pela pausa e passam a valorizá-la como parte da sua evolução. É uma mudança na forma como descobrem que o regresso não é um passo atrás, mas um salto em frente.

Talento à espera de ser reconhecido

Num contexto de escassez de talento, onde as empresas lutam para atrair e reter profissionais qualificados, ignorar mulheres que fizeram uma pausa na carreira é um erro estratégico. Estas profissionais não só têm formação superior e experiência relevante, como trazem competências únicas desenvolvidas fora do ambiente corporativo — como gestão emocional, resolução de conflitos e pensamento sistémico. Ao não considerar este grupo, as empresas estão a desperdiçar uma fonte de talento pronta a contribuir com maturidade, motivação, comprometimento e uma perspectiva enriquecedora. Valorizar estas mulheres não é apenas uma questão de inclusão — é uma decisão estratégica e inteligente de negócio.

Oportunidade para empresas com visão

Já existem alguns exemplos de empresas que têm os próprios programas de returnship (mesmo em Portugal). Empresas que apostam em programas de returship estão a descobrir uma nova fonte de talento. Profissionais com experiência de vida, com capacidade de resolução de problemas, com uma motivação rara e uma lealdade que não se compra.

Ao integrar estas mulheres, as empresas não estão apenas a promover diversidade — estão a enriquecer as suas equipas com perspectivas únicas, com competências emocionais apuradas e com uma energia renovada. Estão a investir em talento que esteve em pausa, mas nunca deixou de evoluir.

O que está a mudar - e o que ainda falta mudar

Portugal continua a apresentar uma taxa de atividade feminina inferior à masculina. E a principal razão para a inatividade continua a ser as responsabilidades familiares. No entanto, as mulheres são hoje mais qualificadas do que nunca. No grupo dos 25 aos 34 anos, quase metade tem formação superior.

O talento está lá. O que falta são pontes. E programas como o Back-to-Market são essas pontes - entre o potencial e a oportunidade, entre a pausa e o regresso, entre o invisível e o reconhecido.

Reescrever o roteiro profissional

A pausa não é o fim da história. É apenas um capítulo. E o próximo pode ser o mais impactante. O regresso ao trabalho pode ser feito com mais clareza, mais propósito e mais força. E as empresas que souberem reconhecer isso estarão um passo à frente.

Porque talento não se perde. Reinventa-se. E está pronto para voltar a brilhar.

Rute Xavier, Professora na CATÓLICA-LISBON