Pense no seu produto ou serviço favorito. O que o faz voltar não é o nome, nem o logótipo, mas aquilo que recebe em troca: confiança, conveniência, prazer ou até um momento de indulgência. Muitas vezes há também um valor simbólico, a forma como ajuda a expressar quem somos ou o que valorizamos. É essa combinação de experiências consistentes que transforma produtos em marcas. E aqui está a regra nº 1 da gestão de marcas: não se gerem nomes, nem logótipos, gere-se significado. Num mundo onde a informação corre à velocidade da luz e a inteligência artificial multiplica ruído, ter uma marca coerente no que promete e entrega nunca foi tão essencial.
O problema é que muitas empresas ainda tratam a gestão de marca como uma questão de imagem. Algumas chegam a investir milhões em mudanças visuais que não passam de maquilhagem quando não são acompanhadas por uma proposta clara de valor e por comportamentos coerentes. A Pepsi é um exemplo claro: durante as últimas duas décadas fez rebrandings milionários sem clarificar a sua proposta de valor, o que apenas aumentou a incerteza sobre o que representa.
Já a Coca-Cola mostrou o oposto. Durante anos tentou separar o consumo entre homens (Coke Zero) e mulheres (Coke Light). Mas a lógica perdeu força com as gerações mais jovens, que não viam essa divisão no seu consumo. A empresa consolidou então todas as variantes sob uma única marca Coca-Cola, reforçando uma mensagem de autenticidade e simplicidade. Aqui, a mudança visual fez sentido porque traduziu uma mudança estratégica mais ampla.
Há casos em que o rebranding tem um papel válido, sobretudo quando se quer sinalizar ao mercado uma transformação profunda de significado. Foi o que aconteceu com marcas como os CTT ou o Novo Banco, que recorreram a esse recurso para tornar visível uma viragem estratégica. Fora desses momentos, a identidade deve evoluir de forma gradual e coerente, preservando consistência e confiança.
É por isso que a gestão de marca deve estar no centro da estratégia e não confinada ao departamento de marketing. O verdadeiro debate não é a cor do logótipo, mas sim o significado da marca. Essa ideia é que deve orientar as decisões de produto, de serviço e de investimento. Quando a liderança assume a marca como parte da estratégia, ela deixa de ser decoração e passa a ser uma bússola. Nos Conselhos de Administração de empresas globais, como a Apple ou a IKEA, a marca é tratada como um ativo de negócio tão importante como a tecnologia ou a cadeia de distribuição. E não é diferente em Portugal: a Delta Cafés cresceu porque tratou a hospitalidade portuguesa não como slogan, mas como prática diária, do atendimento aos patrocínios culturais. Já a Jerónimo Martins construiu diferenciação na Polónia ao tornar a Biedronka parte da vida quotidiana, associando preço baixo a confiança e proximidade.
Os produtos passam e as tecnologias ficam desatualizadas. A marca é o que permanece. Quando é bem gerida, é o ativo mais duradouro de uma empresa porque vive na mente dos consumidores. É ela que dá coerência a mudanças inevitáveis no portfólio, em fusões ou em novos mercados. É também o que os investidores valorizam: uma marca forte mantém clientes e abre portas, mesmo quando o produto de hoje já não é o de amanhã.
A confiança é a moeda mais valiosa no mercado atual. Confiar numa marca significa acreditar que ela vai cumprir amanhã o que prometeu hoje. O consumidor não compra promessas. Compra experiências que se repetem com consistência. Marcas portuguesas como a Super Bock ou a Sumol+Compal souberam adaptar-se e inovar, sem nunca perder a coerência que sustenta a confiança construída ao longo de décadas.
Outro ponto crítico é a coerência interna. As empresas não podem prometer inovação com as suas marcas e gerir equipas de forma antiquada. Não podem comunicar proximidade e depois criar barreiras no serviço ao cliente. Os colaboradores são os primeiros a viver a marca, e se eles não acreditarem no que a empresa diz, dificilmente os consumidores acreditarão. A experiência da marca começa dentro das empresas. Isto é ainda mais importante em marcas corporativas, como o Grupo José de Mello, que inspira os seus colaboradores com valores de ética, empreendedorismo e inovação, e projeta essa cultura interna nas marcas do grupo voltadas para o consumidor, como a CUF, a Brisa e, mais recentemente, a WineStone.
Quando a promessa da marca não é clara, a tentação de correr atrás de cada nova tendência digital só agrava a confusão. Estar em todas as plataformas dilui o foco e enfraquece a mensagem. Uma marca não precisa de estar em todo o lado, precisa de estar no sítio certo com a mensagem certa. Em vez de procurar o próximo “viral”, as empresas deveriam investir em clareza e consistência, porque é isso que os consumidores reconhecem e valorizam.
A chegada da inteligência artificial torna este desafio ainda mais urgente. Nunca foi tão fácil produzir conteúdos e campanhas em segundos. Mas se não houver clareza sobre o que a marca representa, essa velocidade só multiplica o ruído. A questão central continua a mesma: afinal, o que é que a nossa marca significa para os consumidores? Quem tiver uma resposta clara e consistente não só vai continuar a ser ouvido, como vai guiar a sua empresa num mercado saturado de mensagens.
Portugal sempre foi um mercado relativamente pequeno, o que obrigou muitas empresas a pensar cedo na internacionalização. O que antes era uma limitação tornou-se hoje uma vantagem: num mundo saturado de mensagens, a autenticidade cultural, a proximidade ao cliente e a flexibilidade operacional são atributos cada vez mais valorizados. As marcas portuguesas podem capitalizar isso, mas só se houver disciplina e clareza estratégica. No fim, a regra nº 1 mantém-se. Marcas fortes não vivem de nomes ou logótipos, vivem do significado que conseguem entregar de forma consistente.
Kyryl Lakishyk, Professor da CATÓLICA-LISBON.