Leio a revista semanal The Economist há muitos anos e é raro Portugal aparecer mencionado. Quando aparece, tipicamente é por más razões – uma crise, a demissão do governo, um escândalo. Nos últimos anos a situação mudou. Há um ano, Portugal apareceu como o país que maior progresso fez na atratibilidade para o talento jovem qualificado a nível mundial num artigo que começava assim: “There is lot to like about Portugal”. Esta semana, o The Economist ainda manteve ao início do artigo o suspense sobre a Economia do Ano de 2025, mas o título do gráfico com o ranking disse tudo: “Sweet as a Pastel de Nata”. Portugal foi mesmo considerado como a melhor economia do ano, entre 36 economias desenvolvidas, num conjunto de indicadores que medem a estabilidade dos preços, o crescimento do PIB, o crescimento do emprego e a performance do mercado acionista. O valor deste reconhecimento para a reputação internacional do nosso país é elevado, com artigos muito positivos na imprensa internacional. Portugal está de parabéns e os portugueses também.

No entanto, em Portugal, em vez de uma reação de natural regozijo e orgulho, um coro de vozes críticas logo se levantou apontando fraquezas de todo o tipo à economia portuguesa. Uns porque os portugueses comuns não sentem estas melhorias, outros porque Portugal é só turismo, porque o crescimento está concentrado em Lisboa, porque a produtividade não tem aumentado, porque tem tudo a ver com os fundos europeus, porque foi à conta de uma imigração descontrolada, porque a pobreza e precaridade tem aumentado, porque a crise de habitação é um desastre etc., etc. Gostaria de analisar estes argumentos indicando quais têm alguma validade e quais são fruto apenas da vontade de maldizer, ou pior, vontade de manipular a opinião pública. Como o ano de 2025 ainda não está completo, analiso os dados de 2023 a 2025, período já sem efeitos COVID.

Em primeiro lugar, o argumento de que a generalidade dos portugueses não sentem estas melhorias na sua vida não cola com a evidência. O desemprego em Portugal (5.8%) está perto do nível estrutural de pleno emprego, pelo que quem quer trabalhar consegue arranjar emprego. Os salários, embora baixos, têm aumentado bastante em termos reais, tanto via aumento do salário mínimo como no salário médio. Aliás, o rendimento real das famílias tem crescido a uma taxa de cerca de 5% ao ano. Isso tem levado a um conjunto de efeitos positivos, como sejam o aumento da taxa de poupança das famílias de 7.3% do rendimento em 2022 para 12.5% em 2024, um dos maiores aumentos da zona Euro. Adicionalmente, o nível de endividamento das famílias tem vindo a descer e o crédito mal-parado está a níveis historicamente baixos. Sim, os portugueses na sua generalidade estão melhor e as desigualdades não estão a aumentar. Por exemplo, a percentagem de portugueses em risco de pobreza ou exclusão tem descido nos últimos anos e está agora abaixo dos 20%, um valor inferior à média da União Europeia. O forte aumento do salário mínimo neste período, a situação de pleno emprego e os apoios sociais públicos e privados, explicam este bom resultado.

Em segundo lugar, o argumento de que estes números não significam nada face à enorme crise da habitação merece ser analisado numa pespetiva diferente. É verdade que, desde 2015, o preço da habitação mais do que duplicou e o mercado de arrendamento ficou fora do alcance dos portugueses nas principais cidades. Mas não nos podemos esquecer que 73.4% dos agregados familiares vive em casa própria. Ou seja, o principal ativo de quase três quartos dos portugueses duplicou de valor em menos de uma década! O aumento do preço da habitação beneficia, assim, a grande maioria dos portugueses, embora afete uma minoria, em particular os jovens ou quem quer aumentar a família e precisa de uma habitação maior. Isto sugere que se devem e podem desenvolver políticas de apoio ao acesso à habitação, bem como incentivos à construção de habitação nova. Uma habitação que vale mais é uma habitação que vale a pena renovar e pôr a render no mercado, incentivos que têm levado a uma significativa renovação e otimização do património imobiliário. E uma casa de luxo que se constrói e vende a um estrangeiro é uma exportação de tal valor que o cliente internacional muitas vezes muda-se para Portugal para usufruir do seu produto e fica a pagar uma renda vitalícia ao Estado (o IMI). A maioria dos portugueses está, assim, mais rico pela valorização da habitação e os municípios têm mais receita.

Quanto ao argumento de que o crescimento da economia portuguesa tem essencialmente a ver com o turismo, esse argumento só é válido para o ano de 2023. Nesse ano, em que a economia portuguesa cresceu 3.1%, o turismo deu um salto muito grande com uma subida de 11% nas dormidas, provavelmente representando mais de 1% desse crescimento do PIB. Isso também foi notório no crescimento económico regional que foi muito mais elevado em Lisboa, Algarve e Madeira, zonas turísticas por excelência, do que no resto do país. No entanto, em 2024 e 2025 já não é verdade que o turismo seja o motor da economia portuguesa e o crescimento económico regional é também mais harmonioso entre as várias regiões do país.

Por fim, a evidência é mista em relação à crítica de que este crescimento é conseguido via aumento do emprego e que a produtividade (riqueza gerada por trabalhador) não aumenta. Em 2023 e 2024, a produtividade cresceu quase 1% ao ano e Portugal, aliás, fez um salto de convergência real em PIB per capita face à UE de 79% para 82%. Já os dados preliminares de 2025 indicam uma queda da produtividade superior a 1% – ou seja, o emprego cresce mais que o aumento do PIB. No entanto, estes dados não são finais e o PIB é, por vezes, revisto em alta. O aumento de produtividade consegue-se quando se trabalha melhor (melhoria de processos e qualificações), se aumenta a intensidade de capital (mais investimento público e privado) ou se servem mercados mais exigentes (exportações ou clientes mais afluentes). Portugal tem condições nestas três áreas para melhorar a sua produtividade nos próxmos anos.

A crítica final é que o crescimento mais forte do PIB português tem a ver com o impulso à economia dado pelos fundos europeus, em particular o PRR (pois os restantes programas já existem numa dimensão semelhante desde 1986). Os dados de 2023 e 2024 não parecem indicar um forte peso do PRR no crescimento da economia. Já os dados de 2025 indicam um efeito mais forte do PRR de cerca de 1 ponto percentual do PIB. Dado que o PRR vai terminar em junho de 2026, o próximo ano será fundamental para perceber o verdadeiro potencial de crescimento da economia portuguesa, a qual necessitará de um aumento de investimento e produtividade para conseguir ultrapassar a barreira dos 3%.

Uma nota final para dizer que, embora o ranking do The Economist incluísse quatro indicadores relevantes, deixou de fora um onde Portugal brilha de forma invulgar – o equilíbrio das contas públicas em que Portugal é dos poucos países do mundo com orçamentos equilibrados nos últimos três anos e está no pódio mundial da redução da dívida. E deixou também de fora outro indicador relevante – a balança corrente – que mede a sustentabilidade económica e onde Portugal tem registo positivo. Portugal merece esta posição cimeira!

É bom recordar que Portugal, há menos de 15 anos, estava à beira da bancarrota e foi forçado a um esforço de ajustamento económico muito doloroso que gerou elevado desemprego e destruição de muitas empresas. Com o esforço de todos, temos hoje uma situação radicalmente diferente e positiva em várias dimensões importantes. Há ainda muito trabalho a fazer, em particular no acelerar do investimento e no aumento da produtividade. Mas estamos no bom caminho, um caminho de maior prosperidade. Reconheçamos isso e façamos um brinde a Portugal com um cálice de Porto acompanhado de um doce pastel de nata.

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON