Na corrida pela inteligência generativa, vencerá quem souber cultivar os seus próprios dados — e tiver a visão organizacional para os transformar em valor.

Na era dos modelos de linguagem avançados (LLM) omnipresentes, a vantagem competitiva não vem de possuir o modelo, mas de deter os dados distintivos que só as suas relações podem gerar — e da disciplina organizacional para os aproveitar mais rapidamente do que os concorrentes.

A grande comoditização dos LLM avança como um tsunami imparável. A mais recente sondagem Generative AI Snapshot, encomendada pela Salesforce, indica que 49% dos inquiridos já experimentaram ferramentas LLM. A reforçar esta tendência, o Work Trend Index 2024 da Microsoft e do LinkedIn revela que três em cada quatro trabalhadores do conhecimento (75%) já utilizam ferramentas de IA generativa no trabalho.

Muitas empresas correm para apanhar esta onda e monetizá-la. Em vez de construírem modelos de raiz, recorrem e afinam fundações já estabelecidas — ChatGPT, Llama, Claude, DeepSeek, entre outras — para criar produtos e serviços diferenciadores. Chamamos-lhes negócios baseados em LLM. A Vartheo é um desses casos: fundada por alumni da CATÓLICA-LISBON, acelera a investigação qualitativa em marketing através de “personas” alimentadas por LLM que simulam entrevistados reais — comprimindo semanas de trabalho de campo em horas. Contudo, a mesma acessibilidade que alimenta este boom também o ameaça. Se qualquer um pode chamar o mesmo modelo subjacente, a capacidade bruta deixa de constituir uma barreira competitiva. Num mundo em que os LLM se tornam tão ubíquos como a própria Internet, a questão é evidente: o que manterá as empresas na dianteira quando a tecnologia de base é uma commodity?

De onde vem a vantagem competitiva sustentável?

Os fundamentos da gestão estratégica oferecem uma perspetiva centrada nos recursos e competências da empresa: o modelo VRIO, que avalia se um recurso cria valor, se é raro, difícil de imitar e se a organização o consegue explorar plenamente. Quando os quatro critérios são satisfeitos, o recurso pode sustentar o sucesso a longo prazo e a diferenciação face à concorrência.

O desenvolvimento de um produto ou serviço assente em LLM exige vários recursos e competências críticos: antes de mais, uma proposta de valor, concretizada por uma combinação de capital humano, infraestrutura e interface com o cliente. Alguns destes elementos são meramente necessários para operar; outros têm potencial para gerar vantagem competitiva sustentável.

Facilmente alugados: infraestrutura e interface de utilizador

Operar um negócio suportado por LLM exige infraestrutura digital. Hoje, contudo, essa infraestrutura é encarada como um recurso a montante, externalizado para terceiros. Por exemplo, um serviço baseado em LLM envia um pedido ao ChatGPT, que é processado na infraestrutura da OpenAI. Enquanto os fornecedores não assinarem acordos de exclusividade, a infraestrutura é facilmente “alugada” e mudar de fornecedor também é simples, deixando de ser rara. De forma análoga, a interface e a interação com o utilizador são recursos a jusante tratados da mesma forma. Consequentemente, constituem apenas fonte de paridade competitiva.

Escassez de curto prazo: capital humano

Profissionais com competências em LLM são imprescindíveis para o êxito destes negócios. Precisam de compreender o funcionamento de um LLM, os seus pontos fortes e limitações, e como integrá-lo num produto ou serviço. Atualmente, esse saber-fazer, numa tecnologia emergente e em rápida evolução, é raro. Contudo, tal como sucede com outros perfis altamente qualificados, não está imune à imitação. As competências em LLM conferem, por isso, apenas uma vantagem competitiva temporária.

Dados proprietários como diferencial: a proposta de valor

Que problema resolve o seu negócio baseado em LLM — e de que forma? A origem de uma vantagem competitiva sustentável reside precisamente na maneira como o problema é solucionado; afinal, qualquer concorrente pode tentar resolver o mesmo desafio. Como vimos, nenhum dos componentes que simplesmente incorpora um LLM existente num produto ou serviço ultrapassa o teste da imitabilidade.

É na personalização do modelo, feita com dados únicos, que reside o diferencial competitivo sustentável.

Uma forma principal de personalizar LLM com dados consiste em criar uma “biblioteca” para executar um modelo de Retrieval-Augmented Generation (RAG). Este acrescenta um mecanismo de pesquisa que permite ao LLM aceder a dados adicionais — pesquisa web, códigos legais, emails, por exemplo — sem alterar o comportamento intrínseco do modelo. O LLM pode ainda ser profundamente transformado através de finetuning, método que “reprograma” o seu cérebro: o modelo é re-treinado para se exprimir de forma coerente com um corpo de textos especializado. Por exemplo, os LLM que apoiam a escrita de emails, como o Apple Intelligence, beneficiam de finetuning com dados de email, não com livros ou revistas.

Vantagem competitiva sustentável no círculo virtuoso dos dados: o data flywheel

Sem um LLM especializado, perderá qualidade na tentativa de oferecer valor único. Independentemente da forma como os especialize, a sustentabilidade da vantagem competitiva de um negócio baseado em LLM depende totalmente do valor, raridade e dificuldade de imitação dos dados utilizados.

O valor empresarial dos dados é reconhecido há décadas, mas os LLM trazem diferenças relevantes.

Uma delas é que os dados que ganharam importância com a popularização do machine learning não são os mesmos que se tornaram valiosos com o advento dos LLM. O machine learning permitiu extrair padrões complexos de dados quantitativos; os LLM trabalham texto. As organizações registam naturalmente dados numéricos, mas o texto é pouco ou nada armazenado, porque é muitas vezes acessório ao núcleo do negócio (salvo, por exemplo, nas redes sociais). Assim, a maioria terá de criar métodos estruturados para recolher esses textos e pô-los a funcionar.

Para reunir dados raros e não imitáveis, é indispensável recorrer às relações com os clientes — quem são e como interagem consigo. Cada ponto de contacto é uma oportunidade para os conhecer melhor, especializar o seu LLM às suas necessidades e entregar negócio de mais qualidade; trata-se de um círculo virtuoso, o chamado data flywheel.

Ecoando o economista do século XVIII David Ricardo, o capital financeiro e humano não basta para sustentar a vantagem competitiva; o essencial é descobrir a “terra” produtiva (digital) certa e ser quem colhe o conjunto certo de dados. É crucial perceber de onde vêm os dados e organizar-se para os explorar.

Na corrida pela inteligência generativa, vencerá quem souber cultivar os seus próprios dados — e tiver a visão organizacional para os transformar em valor.

 


Ekin Ilseven professor na CATÓLICA-LISBON | Nicolò Bertani professor na CATÓLICA