Num mundo cada vez mais polarizado, as marcas deixaram de ser apenas produtos ou serviços para se tornarem instrumentos ativos de influência global. Neste século, o marketing estratégico ganhou uma dimensão que transcende o mercado: é, cada vez mais, uma ferramenta de poder geopolítico. Quando uma marca se impõe à escala mundial, ela não exporta apenas valor económico — exporta valores, estilos de vida, visões do mundo. 

A Apple, por exemplo, continua a ser mais do que uma empresa de tecnologia: é uma bandeira do individualismo liberal e do design ocidental — mas enfrenta pressões regulatórias crescentes na Europa e restrições na China, refletindo a nova guerra fria tecnológica. A Coca-Cola, símbolo histórico do estilo de vida americano, tem procurado reposicionar-se como promotora de inclusão e sustentabilidade, consciente da crescente sensibilidade cultural em muitos mercados emergentes. Já a Tesla, que durante anos liderou o imaginário da transição energética, atravessa um momento de reputação oscilante: a figura de Elon Musk, com intervenções públicas polémicas e aproximações políticas controversas, tornou-se uma variável geopolítica por si só, afetando a perceção da marca em diferentes regiões. Essa instabilidade tem aberto caminho ao crescimento das marcas chinesas de veículos elétricos como BYD, NIO e XPeng, que se apresentam como alternativas tecnológicas mais acessíveis. A BYD, em particular, já ultrapassou a Tesla em vendas globais, beneficiando de forte apoio estatal e de uma cadeia de valor totalmente integrada.  

No retalho digital, o fenómeno Shein continua a desconcertar o Ocidente com a sua eficiência radical e capacidade de moldar gostos a partir de algoritmos — levantando sérias dúvidas sobre práticas laborais e impacto ambiental. E na esfera dos media e entretenimento, a TikTok, originária da China, permanece no centro de disputas legais e políticas nos EUA e Europa, num campo de batalha que é simultaneamente económico, cultural e estratégico. Em contraste, marcas como a Patagonia ou a Ben & Jerry’s mostram que é possível alinhar propósito e lucro, mesmo que isso implique ruturas com políticas dominantes ou decisões de mercado arriscadas.  

Mas o verdadeiro terreno onde esta batalha global se desenrola é no mundo dos dados. Ecossistemas digitais como Google, Meta e TikTok dominam não só a atenção dos utilizadores, mas também a sua informação comportamental. Estes dados, recolhidos a partir de comportamentos aparentemente banais — cliques, gostos, partilhas — alimentam algoritmos que moldam preferências, manipulam perceções e, em última instância, influenciam decisões políticas, sociais e económicas. 

As marcas têm a responsabilidade de se posicionarem com coerência, verdade e respeito pelos direitos fundamentais, porque o contrário paga-se muito caro. As boas práticas devem ir muito além da comunicação e incluir a forma como os dados são recolhidos, geridos e utilizados.  

  • É aceitável que uma marca promova diversidade nas suas campanhas, mas utilize algoritmos que reforçam preconceitos?  
  • É ético afirmar compromissos ambientais enquanto se recorre a fornecedores com práticas duvidosas?
  • E o que dizer das marcas que optam por “calar-se” em contextos de guerra, crise climática ou desigualdade flagrante? O silêncio estratégico será uma forma de cobardia ou uma política deliberada de evasão moral? 

 

Num mundo em que a verdade é muitas vezes ofuscada por narrativas, as marcas têm um papel central na construção de futuros possíveis. A sua influência já não é apenas económica — é simbólica, cultural, emocional e, cada vez mais, política. 

O novo poder das marcas reside na sua capacidade de definir o que é desejável, aceitável ou aspiracional para milhões de pessoas. São as lideranças empresariais e as respetivas equipas de marketing que devem chamar a si a responsabilidade de usar esse poder com ética, consciência e visão.  

No novo xadrez geopolítico, cada campanha, cada decisão de posicionamento, cada escolha de parceria, é mais do que uma estratégia de mercado — é uma tomada de posição perante o mundo. 

Pedro Celeste, Professor da CATÓLICA-LISBON