Luís Janeiro, professor da Católica-Lisbon School of Business ad Economics, escreve esta semana sobre os contras da construção do novo aeroporto em Alcochete e as alternativas.
A expressão "o ovo da serpente" aplica-se a situações que, embora ao princípio pareçam menores e inofensivas, podem gerar no futuro consequências desastrosas. Quase sempre, só o distanciamento no tempo é que nos aclara, ao olhar para trás, os indícios do “mal em gestação”.
E é precisamente isso que hoje já se está a perceber com o aeroporto em Alcochete de José Sócrates; depois de eleito com maioria absoluta, quis um aeroporto que ficasse a si ligado, tinha de ser na margem sul, em local inédito e muito, muito grande (7.500 ha). Olhou-se só para o aeroporto e, na época, menosprezou-se o desperdício/prejuízo atrelado, cuja grandeza hoje se conhece:
− Evitáveis ponte Chelas-Barreiro, acrescento-50km à AV Lisboa-Porto, novo campo de tiro 7.500 ha e nova pista militar na BA Montijo (conflito com pistas Alcochete).
− Prejuízo causado pelo HUB Alcochete ser, na Europa concorrente, o mais afastado do centro.
− Prejuízo da ponte Chelas-Barreiro baixar altura livre na bacia do porto marítimo de 70 para 42m.
− Afeta recursos ambientais vitais: floresta certificada (derrube) e a maior reserva de água nacional.
− Afeta a defesa do país ao fechar o estratégico campo de tiro Alcochete, vide na revista Força Aérea “Mais Alto” de maio/junho 2008 sobre o seu relevante papel:
Com uma atividade muito diversificada e pouco conhecida, constantes e raros são os dias em que não se ouvem os disparos de armas terrestres, ligeiras e pesadas, ou passagens de aviões para largar munições de treino ou reais. O CTA [Campo de Tiro de Alcochete] encontra-se hoje a atingir índices recorde de utilização. De longe, os maiores dos últimos sete anos.
Para dar uma ideia aproximada do tipo de treino que esta infraestrutura única em Portugal proporciona, em 2007 foi utilizada por forças terrestres dos três ramos em 300 dos 365 dias do ano e aeronaves nacionais e estrangeiras utilizaram 465 “slots”, ou seja, mais de 900 aviões operaram nas carreiras de tiro ar-solo de Alcochete.
A evolução Alcochete chega até à altura em que no filme de Bergman “O ovo da serpente” se diz que através das suas finas membranas se pode discernir o réptil já perfeito.
No tempo de José Sócrates, a projeção era modesta, até uma (1) pista a satisfaria. Assim, era fazer poucos cálculos e falar logo de quatro pistas paralelas para aguçar o apetite, com o cuidado de apoucar o investimento para não custar tanto a “engolir”. A decisão foi “pé na tábua” e, com uma dívida de 128 mil milhões €, José Sócrates, em janeiro de 2008, decide Alcochete.
Poucos meses depois ocorre a crise financeira (falência Lehman Brothers) e, em contramão, Sócrates acelera, adjudica o plano diretor Alcochete quatro pistas, abre o concurso para a maior ponte europeia e, em 2010, bate de frente na parede.
O “ovo da serpente” é soterrado
Quando entrou o PSD/PP (Passos Coelho) a dívida já ia em 180 mil milhões € e o país estava em resgate financeiro. O governo soterrou o NAL [Novo Aeroporto de Lisboa] e, para pagar contas do país, privatizou a ANA e plasmou no contrato o caminho “Portela + 1”, delegando na VINCI a pesquisa de alternativas.
Para a procura esperada (345.000 movimentos) posicionaram-se dois modelos “Portela + 1”, conforme: i) HUB Portela + Montijo de pistas convergentes e ii) inovadora fusão HUB Alverca-Portela de pista paralelas (∆ 4,5km). Em abril 2019 a VINCI sentenciou Alverca com um simples parágrafo “proximidade à pista do AHD-Lisboa não permite operação simultânea, já que não é cumprida a distância mínima de 5 NM (9,3km) para pistas simultâneas e independentes” e, em posição leonina, indicou Portela + Montijo como a única solução possível (sem plano B), que é ratificada no final do ano. E então acontece a pandemia.
O ovo é desenterrado e o réptil (aeroporto Alcochete) continua vivo
O efeito negativo da pandemia é intenso e desce a procura no médio e longo prazo; contudo, outra vez em contramão, volta o aeroporto de quatro pistas e reedita-se a “avaliação por nomeação”.
No final de 2022, a dívida atinge 280 mil milhões € (o dobro de 2007) e não se pode contar com as receitas ANA (que havia em 2007); porém, a comissão nomeada recomenda Alcochete!
O paradoxo VINCI da procura descer e a infraestrutura-2025 mais que duplicar
Na projeção pós-pandemia, a reputada especialista Altitude indica no termo da concessão 288.415mov (antes 345.000) e, mesmo vinte anos mais tarde, só 329.888mov, o que é abaixo do que o aeroporto de Bombaim-1 pista fez (346.617mov) no ano passado.
a) Observemos a VINCI na Grã-Bretanha: indica ao governo que o seu aeroporto Gatwick-1 pista pode ir até 330.000mov (ainda bastante para Lisboa-2082) e propõe uma segunda pista só para partidas para chegar a 390.000mov.
b) Observemos a VINCI em Portugal: na pré-pandemia, para 345.000mov acordou com o governo duas pistas convergentes-72mov/h e, no pós-pandemia, para 288.415mov propõe o mais potente HUB europeu (canal aéreo 4.390m-150mov/h) bem acima de Paris (canal aéreo 3.760m-120mov/h).
É preciso voltar a ter os pés na terra
O atual governo PSD/PP tem condições tão desafiantes como as do tempo de Passos Coelho: a pandemia baixou a procura aérea, a Europa está em “guerra”, a dívida atual de 280 mil milhões tem a pressão da despesa militar e não há receitas ANA. É preciso cautela na dívida e priorizar a escolha custo-benefício para não se voltar a bater na parede.
O contrato indica o dever − até ao dia do acordo vinculativo do NAL − da concessionária apurar se mobilizar aeroportos existentes para atender a procura esperada é mais eficiente e menos dispendioso; porém, a VINCI só avançou o seu NAL hipermusculado.
Quanto maior é a eficiência/poupança de uma solução, mais bem justificada tem de ser a exclusão
Ser mais eficiente significa que as tarefas são realizadas da melhor maneira possível, com o menor desperdício de recursos, tempo e esforço para a procura esperada (329.888mov com folga−vinte anos).
A fusão Alverca-Portela tem capacidade até 120mov/h, não precisa de ponte Chelas-Barreiro, otimiza a entrada comum por norte de AV Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid, não afeta infraestruturas militares operacionais e entra em serviço em apenas três anos. E é menos dispendiosa − poupa ao país 15 mil milhões € − e consegue ser alavancada sem dinheiro público.
Em 2025, é indubitável que as pistas paralelas Alverca e Portela operam independentes e que a fusão é mais eficiente e menos dispendiosa que a nova alternativa VINCI. Será que é desta que a VINCI vai fazer o “mea culpa” de abril 2019?
Luís Janeiro, Professor da CATÓLICA-LISBON