A Europa está a atrasar-se na revolução tecnológica, em particular no desenvolvimento e aplicação de soluções de inteligência artificial, bem como todo o ecossistema de computação à sua volta, os quais vão ter um enorme impacto nas empresas, na produtividade e modelo de trabalho.

Fechados na nossa bolha partidária e mediática, com a atenção dos portugueses focada nas negociações para o Orçamento de Estado e nos comunicados idiotas do governo e do PS sobre as agendas dos seus dois líderes e quando irão finalmente conseguir reunir, é fácil perder perspetiva sobre o que realmente importa e decidirá o nosso futuro.

E o que realmente importa está na Política Europeia que enfrenta desafios monumentais em como os países europeus e as empresas se posicionarão na nova ordem geo-política que está a emergir. Não me recordo na minha vida adulta de uma outra época em que o contexto geo-político e económico fosse tão incerto e desafiante para a Europa. É certo que tivemos crises recentes inesperadas, em Portugal e no mundo, tanto económicas como pandémicas, que perturbaram a estrutura económica da sociedade. Mas a situação atual é particularmente desafiante por ter múltiplos pólos de incerteza, colocando a Europa numa situação estratégica extremamente difícil.

Por um lado, a ordem económica mundial que pautou as últimas décadas, com o reforço da globalização e multilateralismo, está a partir-se, sendo agora moldada por um conflito geo-estratégico de longo prazo entre os EUA e a China, análogo ao período de Guerra fria mas com um enfoque mais económico nesta fase. Só que a China não é o gigante com pés económicos de barro que era a União Soviética. É uma economia com 1.4 biliões de pessoas que se modernizou enormemente em 20 anos e que combina um controlo centralizado com forte dinâmica local e do setor privado. E os EUA, apesar de ainda serem o aliado indispensável da Europa, já não são mais um aliado confiável e enfrentam os seus próprios desafios de liderança e coesão interna.

À nossa porta, a invasão da Ucrânia por uma Rússia agressiva e saudosista dos seus tempos de super-potência, bem como o escalar vertiginoso da guerra no Médio Oriente, estão a pôr fim também à ordem civilizacional e humanista criada após a 2ª Guerra mundial. Não parece ter limites a barbárie a que assistimos e a dominância dos interesses políticos e militares em detrimento das vidas civis, causando enorme sofrimento humano e encurtando caminhos de paz. O mundo corre agora o risco de se dividir em dois blocos estratégicos, opondo os eixos da Democracia à Autocracia, eixos esses ajustados na sua composição pela dicotomia artificial entre o Norte e o Sul, causando um aumento dos conflitos regionais a que já começamos a assistir.

Na Economia, apesar do entusiasmo económico que está a gerar o início do ciclo de descida das taxas de juro pela FED e BCE, a verdade é que as principais economias mundiais estão a sofrer um forte arrefecimento (China e Alemanha) ou têm enormes desafios orçamentais com que lidar (EUA, França e Itália). Essas descidas de taxas de juro serão apenas um penso rápido numa ferida que corre o risco de infectar.

A Europa está também a atrasar-se na revolução tecnológica, em particular no desenvolvimento e aplicação de soluções de inteligência artificial, bem como todo o ecosistema de computação à sua volta, os quais vão ter um enorme impacto nas empresas, na produtividade e modelo de trabalho.

E onde a Europa tem a liderança – na transição energética e na regulação para a sustentablidade, estas são áreas crescentemente sob pressão, em que a mobilização planetária que teria que acontecer nos outros países sobre estes temas, não só não está a acontecer à velocidade desejada mas, em algumas áreas, está a retroceder, colocando em risco o combate às alterações climáticas.

O relatório Draghi sobre a competitividade da Europa divulgado há duas semanas, teve o mérito de dar destaque a alguns dos problemas estratégicos da Europa e alertar para o declínio estratégico e económico do Velho Continente.  Velho não só em história mas também na estrutura demográfica da sua população, criando um lastro negativo na economia e sociedade. Uma população envelhecida tende a ser mais fechada, mais conservadora e mais focada nos problemas do presente do que nos desafios de futuro.

Enormes desafios que colocam um ónus tremendo nas lideranças da Europa, seja na nova Comissão Europeia seja nos líderes dos países Europeus. No passado recente, a incapacidade da Europa pensar e agir a uma só voz causou danos importantes, enfraquecendo o projeto Europeu. Como exemplo, no setor da energia, a estratégia da França de bloquear um mercado único de energia com a Peninsula Ibérica para poder vender mais cara a sua energia nuclear, e a estratégia da Alemanha de aumentar a sua dependência de gás russo em detrimento de uma solução para a Europa, foram tiros de bazuca nos pés Europeus. O sucesso do Projeto Europeu requer uma estratégia ambiciosa e articulada em que os países devem ter a capacidade de ceder em algumas áreas para ganhar noutras num modelo que reforce a autonomia estratégica da Europa. A criação da Airbus é um excelente exemplo dessa ambição bem executada.

A nossa “velha” Europa tem ainda uma enorme reserva de recursos e capacidades, bem como um mercado enorme e capacidades tecnológicas e militares relevantes. Tem uma capital de prestígio internacional e uma reserva moral importantes. Desenvolveu aquele que é o modelo económico-social de maior sucesso no mundo e na história e capaz de gerar prosperidade partilhada. Falando a uma só voz, a Europa tem capacidade  de dirimir conflitos, criar pontes entre blocos e encontrar soluções universais. Trabalhando numa estratégia Europeia articulada entre os vários países, conseguirá preservar a sua autonomia estratégica, reforçar a sua Economia e continuar a liderar em áreas chave da Economia mundial. A Europa precisa de liderança, nas instituições Europeias e nos diferentes países. Uma liderança responsável, informada e mobilizadora. E os cidadãos Europeus precisam de ter o discernimento de eleger e apoiar esses líderes e não populistas de pendor autocrático.

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON