O líder que tudo vê, que tudo sabe, usa (e abusa) da microgestão enquanto mecanismo funcional. O outro percebido como ameaça não é confiável.

O filósofo inglês Jeremy Bentham (1748–1832) concebeu um modelo de vigilância a que chamou de Panóptico – uma obra arquitetónica que poderia ser aplicada em prisões, hospitais psiquiátricos, entre outros contextos. No fundo, tratava-se de um espaço circular composto por celas viradas para o centro, onde se encontrava um pátio e uma torre de vigia. A construção permitia que o vigilante na torre observasse todas as celas e todos os indivíduos sem sombras, sem esconderijos, sem exceção. Os que habitassem este espaço não conseguiriam ver quando estavam a ser vigiados, nem por quem. A ideia da vigilância e da exposição permanente traduz uma intenção de disciplinar.

Precisam as equipas de disciplina? São os indivíduos percebidos como um perigo para certos líderes? Na verdade tal pode suceder em determinados ambientes organizacionais: 1) líderes inseguros podem sentir-se ameaçados perante indivíduos competentes e ambiciosos; 2) líderes resistentes à mudança e que valorizam o status quo veem como ameaça colaboradores inovadores, com ideias, e impulsionadores da mudança; 3) determinados indivíduos podem pôr a nu áreas em que o líder detém uma determinada lacuna (conhecimento ou competência) e tal desencadear sentimentos de vulnerabilidade, sobretudo para alguém que trabalha constantemente uma imagem de “nunca falho” – entre outras situações que podíamos facilmente identificar.

Estas emoções associadas a uma ideia de perigo podem promover ações de defesa, tais como microgerir, isolar, marginalizar ou, nalguns casos, comportamentos mais agressivos como desacreditar, rebaixar ou, até, demitir o colaborador.

Continuamos a observar, de facto, lideranças demasiado autocráticas no ambiente corporativo de hoje. Ainda que tal estilo possa ser útil em determinados contextos, é incorporado por um “chefe”, e não por um líder. Conduz a equipas menos motivadas, a menos criatividade e inovação, e menos produtividade.  

Muitos líderes atuam como se a sua função fosse desempenhada na torre de vigia, controlando as ações de quem lideram. O resultado é a toxicidade, a rotatividade, e não a boa performance da organização. Encontramos equipas “vigiadas” frequentemente, muitas vezes de forma indireta, num clima de pressão constante. Gatilhos que podem conduzir, por exemplo, a situações de burnout.

O líder que tudo vê, que tudo sabe, usa (e abusa) da microgestão enquanto mecanismo funcional. O outro percebido como ameaça não é confiável.

Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, e mesmo antes e depois da mesma, foram vários os casos tornados públicos de organizações que implementaram, a dada altura, sistemas de vigilância dos trabalhadores. A Amazon instalou uma tecnologia nos seus armazéns através de dispositivos que os colaboradores utilizavam e que mediam inclusivamente os movimentos (tal foi considerado demasiado intrusivo por um regulador francês). O Barclays utilizou um software que monitorizava o tempo que os colaboradores dispensavam nas secretárias, o que originou uma crítica pública generalizada, tendo a organização defendido que iria rever as suas práticas.

Estes mecanismos de vigilância representam a falta de privacidade, que é precisamente o que se verifica no Panóptico. O contexto atual de avanços tecnológicos e ambiente digital transportou-nos para um capitalismo da vigilância, como defende a socióloga americana Shoshana Zuboff. Na sua essência está a ideia de que as tecnologias digitais, e as empresas tecnológicas em particular, exploram dados pessoais em prol do lucro, e de formas que modelam e controlam o comportamento humano (tal como no Panóptico).

Podemos (e devemos) fazer uma reflexão acerca da ética: a gestão, de uma forma geral, deve ser levada a cabo com princípios transparentes, consensuais e justos. Em vez de controlar, empoderar. Em vez de vigiar, dar autonomia. A relação não se estabelece por obrigação.

Um ambiente de trabalho assente na vigilância constante e no controlo não é um ambiente de trabalho perfeito. Bentham refletia, de facto, sobre uma “prisão perfeita” – que é a mesma ideia que muitos destes líderes têm da sua liderança: a perfeição. Liderar não é um verbo que funcione no singular. Liderar é liderar com: sem o outro, não existe líder. Tal como não existem estilos de liderança perfeitos – existem estilos de liderança que funcionam melhor ou pior, dependendo do contexto. Assim, importa cultivar a autenticidade. O segredo passa pela cooperação e colaboração, por trabalhar a empatia e assumir a vulnerabilidade natural que vive em cada um de nós. Só assim construiremos culturas seguras, com base na confiança e na comunicação aberta, que estimulam a inovação e potenciam o crescimento.

A formação, os instrumentos de assessment, e o coaching, podem ser poderosos aliados. Na Formação de Executivos da CATÓLICA-LISBON, colocamos à disposição de todas as empresas com as quais trabalhamos soluções customizadas para o desenvolvimento das suas lideranças, transformando climas organizacionais e contribuindo para performances empresariais sustentáveis.

Gandhi terá dito que liderança, no passado, significava ter força física (“músculos”), e que no presente, no momento em que proferia tais palavras, liderança significava dar-se com as pessoas, saber lidar com elas. Nenhum líder é capaz de fazê-lo, e criar relações, estando na torre de vigia. É importante descer ao pátio, conviver, e visitar cada divisão. Não somos bons líderes se não conhecemos quem lideramos – e não se conhece apenas olhando – é preciso ir ver, de verdade, com vontade.

Duarte Afonso Silva, Development Manager Executive Education na CATÓLICA-LISBON