No meu artigo de 3 de Outubro nesta coluna intitulado A inusitada força da Economia Portuguesa, argumentei que a Economia Portuguesa resistiria à crise no curto prazo, que a inflação seria dificil de controlar e que o comportamento do déficit público seria excelente, podendo mesmo atingir-se um excedente orçamental em 2022. No mês que decorreu desde então, todas as informações reforçaram estas previsões. Soubemos que Portugal é o país da Zona Euro no 1º semestre com o maior excedente público o qual corresponde a 3% do PIB (contrastando com um déficit de 1.9% na média dos restantes países do Euro!). Soubemos que a inflação continua a aumentar e já supera os 10% em Portugal e em muitos países da zona Euro. E soubemos que a Economia Portuguesa continua com um prognóstico positivo no curto prazo, muito puxado por um acréscimo do turismo e que será reforçado pelo acelerar afetação de verbas do PRR (que já ascende a perto de 1000 milhões de euros dos 16 mil milhões previstos no programa). Aliás esta semana o INE revelou que, ao contrário das previsões de estagnação ou recessão, o PIB de facto cresceu 0.4% em volume no terceiro trimestre, comparando com 0.2 na zona euro.
O orçamento de Estado apresentado, debatido e votado na generalidade este mês não traz surpresas e continua com uma política de “contas certas” que faz todo o sentido para o PS no seu ciclo eleitoral e, felizmente, faz também sentido para o país no seu ciclo económico, dado que medidas expansionistas nesta fase iriam prejudicar o controlo da inflação. Os próximos 2 anos, até final de 2024, vão dar a Portugal uma oportunidade única de reduzir fortemente o peso da sua dívida pública no PIB para valores mais geríveis, que se aproximem dos 100% do PIB. Isto parecerá a muitos uma miragem dado o ponto de partida de 135% em final de 2020, mas que se torna viável num cenário de crescimento real positivo, elevada inflação e excedentes orçamentais. O governo não fala ainda de alcançar um excedente orçamental este ano (a previsão oficial é um déficit de 1.9%) mas com o avançar da execução orçamental e os acordos de concertação social firmados para o médio prazo, os fortes números de receita fiscal começarão a ser mais evidentes e serão mais claramente incorporados nas previsões do déficit, tendo Portugal um excedente de mais de 5 mil milhões até final de Setembro.
Também disse no meu artigo que, a partir de 2024, Portugal precisará de medidas de caráter estrutural para potenciar o seu crescimento, sobre as quais falaria neste artigo. Vamos então a isso! Em primeiro lugar a força de uma economia no longo prazo constrói-se com uma estratégia consistente alinhada entre os principais partidos, e que procure resolver nas suas causas os problemas fundamentais do país , aproveitando também as suas oportunidades e potencialidades. Falarei hoje de três temas – demografia, força do setor privado e atratividade fiscal de Portugal.
Demografia: Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo e a combinação de fraca natalidade e emigração jovem reduzem a oferta de mão de obra na economia o que é um travão ao seu crescimento futuro. Temos que inverter este processo com uma política agressiva de promoção de natalidade, favorecimento do regresso dos emigrantes, e atração de talento mundial. Saúda-se medidas recentes como o reforço dos apoios às Creches, o programa de incentivo fiscal Regressar, e o novo sistema de vistos lançado esta semana, o qual parece bem desenhado, permitindo a emigrantes entrar em Portugal para procurar emprego, facilitando o trabalho remoto e alavacando a comunidade da CPLP. São medidas na direção certa mas é preciso fazer mais. O sistema fiscal em Portugal prejudica as familílas mais numerosas que têm muitas despesas com cada um dos seus filhos sem terem uma redução fiscal adequada. É altura de, ou aumentar dramaticamente a dedução específica por cada filho, ou recuperar a ideia do quociente familiar em que o rendimento da família é divido por uma fórmula que tem em conta o número de filhos, incentivando a natalidade nas classes médias e médias altas para as quais as deduções atuais e abonos de família são irrelevantes na decisão de poderem ou não suster economicamente mais um filho. Este sistema existe em países como a França com assinaláveis resultados no aumento da natalidade. Maior natalidade significa mais população, maior consumo, um sistema de educação que não precisará de emagrecer tão radicalmente nos próximos 15 anos e, no futuro, quando aliada a um saldo migratório favorável, uma maior mão de obra para a Economia que suporte um número crescente de reformados. Tudo isso potenciará o crescimento sustentável da Economia no médio e longo prazo.
Iniciativa Privada: Portugal tem que inverter o discurso e a mentalidade de penalizar a iniciativa privada em favor da gestão pública. Todas as economias desenvolvidas têm uma forte e dinâmica iniciativa privada que é a razão do seu desenvolvimento. A única exceção é quando a riqueza é gerada por extração de recursos em vez de produção de bens e serviços, situação que tipicamente favorece o aparecimento de regimes autocráticos para controlo das rendas desses recursos. Até a China só começou a crescer quando libertou a força da sua iniciativa privada, enterrando de vez o Comunismo (mas infelizmente não o Totalitarismo). Exemplos desta mentalidade contrária à iniciativa privada estão em todo o lado no discurso e na política Portuguesa. A diabolização das parcerias público-privadas, mesmo em setores como a Saúde em que objetivamente estas trouxeram bons resultados é um exemplo. Outro exemplo é afetação já concretizada de 909 milhões de euros do PRR em que apenas 66 milhões de euros foram recebidos por empresas e instituições científicas! Em contrapartida entidades públicas receberam já mais de 800 milhões de euros. No total do PRR, menos de 30% será para promoção de investimentos por empresas. Muitas vezes as empresas parecem ter que se desculpar por terem lucros, quando o lucro é uma medida do valor criado por uma empresa depois de remunerar todos os recursos que utliza e deve ser comparada com o montante de capital que está a ser utilizado nessa atividade económica. Muitas vezes uma CEO com responsabilidade por milhares de pessoas a nivel global é marcado negativamente por ganhar uma salário alto, quando muitas vezes ganha 10 vezes menos que um futebolista da 1ª divisão, salários esses que ninguém põe em causa.
Para crescer, Portugal só tem um caminho de desenvolvimento com duas vertentes complementares: Atratividade nacional e competitividade internacional. Num mundo em que as cadeias produtivas globais vão necessitar de se regionalizar, em que a globalizaçao na área dos serviços (como a educação e a saúde) está ainda largamente por fazer e onde quem manda mais já não é o capital mas sim o talento, Portugal tem uma oportunidade única nos próximos anos de dar um salto no seu desenvolvimento se se souber posicionar como um hub de atração global de talento, para atividades económicas (produtivas, tecnológicas, de educação e saúde) bem como atividades de turismo e lazer.
Isto leva-nos a falar de fiscalidade. É óbvio para todos que Portugal tem uma fiscalidade demasiado elevada, em particular sobre o trabalho que é aquilo que queremos atrair mas estamos a taxar a mais de 50% de taxa marginal. Se não é viável dada a nossa elevada dívida reduzir a fiscalidade de forma transversal a famílias e empresas, que se reduza de forma seletiva áqueles que constroem o futuro de Portugal. As familías constroem o futuro de Portugal apostando na educação e na natalidade. As empresas constroem o futuro de Portugal investindo em inovação, tecnologia, talento e internacionalização. Deve haver uma aposta na redução fiscal para famílias com mais filhos e para cidadãos que apostem na educação, bem como para empresas que decidam sediar atividades em Portugal e que re-investem os seus lucros em inovação, desenvolvimento e talento.
Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON