Muito mais do que fazer ações de charme aos empresários e decisores económicos angolanos, apelando aos afetos e à emoção, é importante preparar e apoiar as empresas portuguesas bem posicionadas e que pretendam manter-se ou entrar em Angola.
A relação entre dois países pode ser analisada na perspetiva das pessoas, dos políticos ou dos negócios. São planos interligados, mas desengane-se quem possa pensar que este último depende essencialmente dos dois primeiros.
Angolanos e portugueses têm uma história comum longa, com memórias boas e menos boas, suportadas num emaranhado de laços familiares, profissionais e pessoais. Neste plano são essenciais as emoções e os afetos que ligam cada pessoa nesta rede. Quem conhece a realidade angolana sabe que as relações continuam fortes, mas também sabe que há cada vez mais ligações pessoais a outras geografias. Vão-se ultrapassando barreiras linguísticas e culturais, e as novas gerações estão igualmente à vontade em qualquer parte do mundo. É importante que Portugal se consciencialize de que tem de cuidar e reforçar os laços com os cidadãos angolanos, facilitando-os e estimulando-os, por exemplo, aumentando a cooperação no ensino e formação, com intercâmbio de alunos e docentes e aumento de bolseiros angolanos em instituições portuguesas.
No plano político, é fundamental uma boa relação entre as instituições, nomeadamente entre governos. Mesmo que não tenha um impacto direto nas relações entre pessoas e empresas, uma relação tensa condiciona o plano de fundo. É notório que tal tem dependido muito do ciclo político em Portugal e seria importante que se encontrasse forma de ultrapassar estigmas criados no passado. É sabido que o arrastar de um processo na justiça portuguesa está a condicionar essa relação institucional. No entanto, esse é um problema português: há muitos anos que a demora dos processos judiciais é vista como um dos fatores que mais prejudica a competitividade da economia portuguesa. As relações voltarão ao normal quando o processo terminar, qualquer que seja o desfecho. O afastamento que entretanto se vai sentindo é que pode causar perdas irreversíveis.
Já no plano da economia e das empresas, contam menos os afetos e as emoções. O relevante é saber qual a proposta de valor que cada parceiro aporta a um negócio. E claramente as empresas portuguesas têm vindo a perder competitividade no mercado angolano. O sector da construção foi travado pelo arrefecimento do "boom" do imobiliário e as empresas que em Angola estavam posicionadas na importação de bens e serviços de Portugal viram o seu negócio fortemente ameaçado pela contração do mercado e pela abertura de Angola ao mundo. Angola deixou de ser um país nas listas negras e cada vez mais países têm interesse em marcar posição num mercado de futuro. As missões diplomáticas desdobram-se em contactos para encetar negócios para as empresas dos respetivos países. Os embaixadores mais parecem homens de negócios e sucedem-se as visitas de delegações empresariais encabeçadas por governantes que anunciam linhas de crédito bilaterais. Países como França, Alemanha, Polónia, Índia, Brasil, Espanha e Estados Unidos têm vindo a reforçar os laços económicos com Angola. Em muitos casos com o suporte de instituições multilaterais que financiam programas que enquadram esses negócios e que poderiam estar também ao alcance de empresas portuguesas. É que as oportunidades de negócio atuais são bem diferentes das que existiam há uns anos. Estão sobretudo associadas ao desenvolvimento de infraestruturas e à diversificação da economia. Muitas das empresas portuguesas preferiram deixar o mercado.
Nalguns casos faz sentido. No entanto, muitas outras poderiam permanecer, sobretudo se forem incentivadas e apoiadas a encontrar um caminho diferente.
Muito mais do que fazer ações de charme aos empresários e decisores económicos angolanos, apelando aos afetos e à emoção, é importante preparar e apoiar as empresas portuguesas bem posicionadas e que pretendam manter-se ou entrar em Angola. Ajudá-las a perceber quais são as novas oportunidades. Reforçar a diplomacia económica. Prepará-las para lidar com programas financiados por multilaterais. Integrá-las nos consórcios e grupos que participam nesses programas. O caminho é novo e promissor.
José Filipe Rafael, Professor Auxiliar Convidado da CATÓLICA-LISBON.