Há quem não goste de falar de carreira. Porque carreira lembra “escalada” até ao topo da hierarquia, numa altura em que se procuram organizações mais planas e em que sucesso não é só liderança. Mas carreira define-se como caminho, percurso profissional. E um caminho não é sempre linear, para cima, tem várias possibilidades para chegar a diferentes destinos. Por isso, vou falar de carreira, da importância de pensar no caminho que quero fazer e onde quero chegar.
E o destino pode ser qualquer um, desde garantir um trabalho para viver, até ser o próximo presidente de uma qualquer empresa. Porque reconhece-se hoje, felizmente, que sucesso não é uma fórmula única para todos, que não é exclusivo do mundo do trabalho e veste-se de muitas maneiras. Sucesso é o que nos deixa completos. Pode ser providenciar para garantir conforto e possibilidades à minha família. Deixar clientes satisfeitos. Ter uma equipa unida que gera resultados. Contribuir para uma comunidade mais justa. Garantir o bem-estar e a saúde dos outros. As possibilidades são infinitas. E devem ser. Sem ideias preconcebidas do que deve ser. O sucesso.
Como mãe, educadora, recrutadora e profissional, o que posso fazer? Para contribuir para o meu sucesso, para o sucesso dos meus filhos, dos meus alunos, dos meus colegas, da minha equipa, da minha comunidade? Porque isto de gerir a carreira, de definir o caminho para chegar ao sucesso não é só para os profissionais de topo ou para os alunos a sair da universidade. Democratizar a gestão de carreira através da “educação para a carreira” é uma das coisas que pode alavancar o elevador social da educação.
É amplamente reconhecido que a educação pode dar acesso a mais oportunidades e melhorar a qualidade de vida. No meu círculo, a maior parte das pessoas estudaram mais do que os pais (e os pais mais que os avós), e conseguiram uma vida com menos dificuldades.
Mas a educação sozinha não chega, se me mantiver no mesmo círculo (como acontece em muitas escolas públicas), não desafiar o espírito crítico (quando o ensino se mantém igual ao do século passado), não me mostrar que posso escolher. Entre outras coisas, tem que incluir “career education”, um conceito comum noutros países, mas cuja tradução soa estranha, o que já é, por si, significativo.
“Educação para a carreira” é uma solução que permite mais escala, e que alarga horizontes, especialmente aos que não lhe são expostos em casa. Permite a gestão ativa e autónoma da carreira ao longo da vida, com informação, formação, processos individuais e de grupo. Promove o autoconhecimento, o conhecimento do mercado de trabalho, a identificação e o desenvolvimento das competências necessárias para continuar relevante, e permite escolhas informadas. Abre espaço para escapar aos ciclos que perpetuam trabalho menos qualificado (mais suscetível de ser substituído pela tecnologia) e à falta de esperança dos que não conhecem outra realidade.
O Estado é quem pode incluir educação para a carreira nos currículos nacionais, para que não fique só no espaço dos colégios e a cargo de algumas organizações sem fins lucrativos. Mais empresas podem focar-se no desenvolvimento de carreira, agora que se percebeu que as pessoas são a verdadeira vantagem competitiva e que o talento externo não chega para as necessidades imediatas num mundo em mudança acelerada. Mas todos nós podemos começar já. O que posso fazer?
Viver com curiosidade. Abrir-me ao conhecimento, às histórias dos outros, às oportunidades que, à primeira vista, não são para mim. Porque só assim abro os meus horizontes, desfaço mitos e alargo o meu círculo. Incentivar essa curiosidade.
Incluir os outros no meu processo. Conversar com outras pessoas, quanto mais diferentes, melhor. Porque são essas que me vão desafiar nos meus preconceitos. Ajudar a ter ideias novas para problemas velhos e permitir-me avançar no meu caminho. Que me vão abrir outras possibilidades em áreas que nunca considerei.
Perguntar frequentemente aos que me rodeiam o que mais apreciam em mim e o que posso melhorar. E incentivá-los a dizê-lo com honestidade, mesmo que sem treino. Porque só sabendo que impacto tenho nos outros e no que faço é que posso tornar-me melhor.
Utilizar a IA como meu conselheiro de carreira. Sempre com espírito crítico, claro, pedir-lhe para se pôr nesse papel, desafiá-la a fazer-me perguntas que me ajudem a pensar nas minhas prioridades, a definir objetivos e caminhos para os atingir.
Tirar partido da crescente oferta de formação gratuita, online ou subsidiada, para ganhar conhecimentos e competências que permitam acompanhar um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. E, também assim, mostrar que tenho essa vontade e abertura para mudar com ele, pois não é só ser, há que parecer.
Claro que nada substitui um especialista para me apoiar. Mas, dado que eles não estão (ainda) disponíveis a todos, estas atitudes e comportamentos ajudam-me a apanhar o elevador. Porque não basta carregar no botão, é bom saber para onde quero ir.
Maria João Santos, Head of Careers & Talent na CATÓLICA-LISBON