A ilusão do saldo da Segurança Social O Orçamento do Estado para 2026 (OE 2026) prevê um saldo global da Segurança Social na ordem de 6,6 mil milhões de curos, contrastando com um saldo orçamental das Administrações Públicas de apenas 600 milhões de curos. Esta discrepãncia levanta questões relevantes sobre osignificado económico e financeiro de cada um destes saldos, O saldo das Administrações Públicas tem uma leitura direta: representa uma menor necessidade líquida de financiamento por parte do Estado, ou seja, menos dívida a emitir para cobrir despesas. JJá o saldo da Segurança Social carece de interpretação mais cuidadosa, pois resulta em larga medida de transferências orçamentais provenientes do Estado financiadas por impostos Oui dívida pública e não apenas de receitas próprias do sistema.
Este saldo é apurado pela diferença entre a receita efetiva (contribuições sociais, transferências do Estado, rendimentos de capital e outras receitas) ea despesa efetiva (pensões, prestações sociais, subsídios e encargos administrativos). Em 2026, a receita total prevista ascende a cerca de 49 mil milhões de curos, dos quais 10 mil milhões (cerca de 289%) provêm diretamente do Orçamento do Estado Este valor excede largamente o próprio saldo positivo da Segurança Social, o que significa que, sem estas transferências, o sistema apresentaria um défice estrutural significativo.
É certo que o mercado de trabalho tem demonstrado maior dinamismo, com aumento das contribuições dos trabalhadores e empregadores. Contudo, este crescimento de receita implica também maior responsabilidade futura, pois cada novo contribuinte é, potencialmente, um futuro beneficiário. Se o valor presente das obrigações futuras superar o acréscimo de contribuições, então o sistema está, na verdade, a deteriorar-se e e não a melhorar.
Portugal vive uma transição demográfica acelerada: a taxa de natalidade permanece baixa, al esperança média de vida aumenta e a população ativa só cresce graças à imigração. Este desequilíbrio entre ativos e pensionistas coloca uma pressão crescente sobre o sistema previdencial. Apesar do aumento do emprego, o número de pensionistas continua a crescer, comprometendo a sustentabilidade a médio e longo prazo.
Importa sublinhar que o saldo da Segurança Social não inclui a despesa com pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA), que gere as reformas dos funcionários públicos admitidos até 2005. Em 2025, o défice da CGA ronda c9 mil milhões, integralmente cobertos pelo Orçamento do Estado. Esta despesa não figura nas contas da Segurança Social, mas representa um encargo relevante para as finanças públiCas, Acresce que as contribuições dos novos funcionários públicos passaram a ser receita da Segurança Social, subtraindo-se a0 regime da CGA e o que distorce ainda mais al leitura do saldo.
Por tudo isto, é errado interpretar o saldo positivo da Segurança Social como um indicador de solidez financeira. Quandose considera o sistema de pensões público de forma integrada a Segurança Social e CGA Portuggal revela-se um dos países mais vulneráveis da União Europeia.
Em 2025, a despesa total do Estado com pensões e prestações sociais deverá atingir c45 mil milhões, cerca de 15,5% do PIB. Este valor coloca Portugal entre os países com maior esforço orçamental nesta área, a0 lado de França (15,80), Itália (16,2%) e Espanha (14,9%). Em contraste, países com sistemas mais capitalizados, como a Suécia (10,5%) ou OS Países Baixos (11,2%), apresentam percentagens significativamente mais baixas, Osaldo positivo previsto para 2026 reflete, sobretudo, o crescimento inesperado da população ativa e o baixo nível de desemprego. Nesse sentido, é um sinal positivo conjuntural, mas não deve ser confundido com um indicador de sustentabilidade estrutural. Ou com uma folga orçamental na Segurança Social disponível para ser gasta com os atuais pensionistas.
A leitura do saldo da Segurança Social exige cautela. A dependência de transferências públicas e a pressão demográfica são desafios sérios, A viabilidade futura do sistema exige reformas estruturais, redesenho do modelo previdencial, autonomização do sistema de proteção social, diversificação das fontes de financiamento e políticas eficazes de promoção da natalidade.
Importa sublinhar que o saldo da Segurança Social não inclui a despesa com pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
João Borges de Assunção, Professor na CATÓLICA-LISBON