A eleição do Papa Leão XIV, o primeiro sumo pontífice norte-americano, pode marcar um momento decisivo para a “Economia de Francisco”. Com raízes na justiça social de Leão XIII, e o apelo ecológico de Francisco, Leão XIV enfrenta a decisão, e o desafio, de transformar a economia global num instrumento de paz e fraternidade. Mas estará ele disposto a continuar este caminho e pugnar pela criação de um novo paradigma económico, a nível global?

A eleição do Papa Leão XIV, ocorrida no passado dia 8 de maio, levantou-me de imediato uma questão – o que vai agora acontecer com o movimento da “Economia de Francisco”? Naturalmente, sendo o meu foco profissional a inovação social, este é um assunto que tenho acompanhado de perto, dada a grande afinidade de visões que apresenta com o que tenho defendido ao longo de quase 20 anos para um novo paradigma económico.

A “Economia de Francisco”, iniciativa lançada, em maio de 2019, pelo Papa Francisco, mas que foi objeto de um pacto global com o Papa apenas em setembro de 2022 (em Assis, Itália), visa repensar o sistema económico global, promovendo uma economia mais justa, inclusiva e sustentável. Inspirada nos valores de São Francisco de Assis, a proposta procura integrar ética, ecologia e solidariedade, desafiando as estruturas económicas tradicionais, que priorizam o lucro, muitas vezes em detrimento – ou, no mínimo, sem muita consideração - pela dignidade humana, e a do meio ambiente.

Numa das suas declarações mais marcantes, Francisco afirmou: “A economia mata quando exclui e quando destrói” (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 53). Este apelo ecoou nos corações – e cabeças - dos jovens economistas e empresários reunidos em Assis, incentivando a criação de redes globais, comprometidas com a transformação do sistema económico. A ideia central é a de propor uma "economia que cuide", um sistema no qual o bem comum prevaleça sobre o lucro a qualquer custo.

Com a recente eleição do Papa Leão XIV, nascido Robert Francis Prevost, surge, pois, a interrogação sobre o futuro dessa iniciativa. Prevost, primeiro sumo pontífice norte-americano, tem uma trajetória marcada pelo seu trabalho missionário no Peru, e pelo seu compromisso com a justiça social. A escolha do nome Leão XIV remete, por outro lado, ao Papa Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum (15 de maio de 1891, justamente há 134 anos), no contexto da revolução industrial, que estabeleceu as bases da Doutrina Social da Igreja, dando início a um processo de sistematização do pensamento social católico. Este paralelo, pode indiciar a intenção de Leão XIV de revitalizar, e aprofundar, os princípios da “Economia de Francisco”, contextualizando-os para o cenário atual. Um cenário no qual os Estados Unidos da América, com a nova presidência, têm desafiado e questionado publicamente, temas como a Diversidade e Inclusão.

No seu primeiro discurso como Papa, Leão XIV enfatizou a necessidade de uma Igreja missionária, dialogante e comprometida com a caridade. “Necessitamos, juntos, de uma Igreja missionária, de uma Igreja que constrói pontes e diálogo, sempre aberta a receber nesta praça, de braços abertos, todos os que precisam da nossa presença, caridade, o diálogo e o amor”, declarou. Esta abordagem sugere uma continuidade com os princípios da “Economia de Francisco”, reforçando o papel da Igreja na promoção de uma economia centrada na dignidade humana, e na solidariedade.

Mas a economia contemporânea, exige não apenas um olhar crítico sobre as estruturas da visão capitalista dominante, como também um projeto visionário. Neste sentido, o desafio de Leão XIV será incorporar os ensinamentos das encíclicas do Papa Francisco, Laudato Si' e Fratelli Tutti, sem diluir a mensagem central: uma economia deve ser um instrumento de paz e fraternidade, e não um mecanismo de exclusão e destruição.

Leão XIV, agostiniano de formação, pode trazer consigo a lealdade ao pensamento de Santo Agostinho, cuja reflexão sobre a cidade terrena e a cidade de Deus, oferece um modelo para reinterpretar o papel da economia. Se Francisco apelava ao “grito dos pobres e da Terra”, Leão XIV pode aprofundar a ideia de que uma economia justa tem de transcender o materialismo, e reconhecer a sacralidade da Criação. Um sistema económico, segundo essa visão, deve ser um "campo de ação divina", onde o capital é um meio de promover a dignidade humana.

Outro ponto interessante, para o qual devemos olhar com atenção, é a relação da Igreja com os mercados financeiros globais. Numa era de fintechs e criptomoedas, como é que este novo Papa se posicionará? Francisco criticou a “financeirização da vida”, na qual, e cito, “a finança sufoca a economia real”, bem como o “fetichismo do dinheiro” (Laudato Si', 56). Leão XIV poderá abrir um novo capítulo, abordando o papel das tecnologias financeiras, não apenas como instrumentos de especulação, mas como alavancas para a justiça social. Muito na linha do que também tem sido defendido pelos estudiosos e praticantes do paradigma da Inovação Social.

Há um elemento geopolítico que não pode também ser ignorado, como acima referido. A eleição do primeiro Papa norte-americano, ocorre num momento em que os EUA vivem um contexto de grande polarização social. Leão XIV poderá utilizar a sua influência, parte relacionada com a sua nacionalidade, para propor um pacto económico entre o Norte e o Sul Global, fomentando fóruns multilaterais que unam economistas, ambientalistas e líderes comunitários.

Outro tema relevante é o aprofundamento da questão ecológica. A Laudato Si' posicionou o Vaticano como uma espécie de centro de pensamento crítico sobre a crise climática. Leão XIV poderá contextualizar a "conversão ecológica integral", ligando a crise ambiental, à crise moral e espiritual da humanidade. Uma encíclica voltada para a economia regenerativa, vinculando práticas de mercado a metas ambientais concretas, poderia ser um passo interessante.

Existe ainda, finalmente, a questão da redistribuição de recursos. Num sistema global no qual 1% da população detém a maior parte da riqueza, Leão XIV poderá propor mecanismos inovadores de solidariedade económica, sugerindo novos modelos e formatos para o financiamento de programas de combate à pobreza e à fome.

“Precisamos de uma economia que não mate, mas que cuida da vida”, reiterou Francisco em 2020. Cabe a Leão XIV transformar essa visão em ação concreta, redefinindo o papel da Igreja como uma voz decisiva, no meio de um sistema económico marcado pela desigualdade, e pela degradação ambiental. Mas, mais do que isso, cabe-lhe delinear um projeto que transcenda o corretivo moral, e se apresente como um modelo económico alternativo, viável e visionário.

A eleição de Leão XIV representa uma oportunidade para consolidar e aprofundar os princípios da Economia de Francisco. A grande questão é: estará o novo Papa disposto a fomentar, e tentar influenciar, a transformação da economia numa espécie de "cidade de Deus", onde o mercado não é um fim em si mesmo, mas um meio para a justiça, a paz e a fraternidade entre os povos?

Seja o que for, uma coisa é certa - Donald Trump não foi eleito Papa. Mas, no que toca à economia, Prevost terá de o chamar à colação. Pode ser que os conterrâneos se entendam. Que assim seja. Para bem de todos nós.

Frederico Fezas Vital, Executive Diretor of CATÓLICA-LISBON's Yunus Social Innovation Center