No local de trabalho, os conflitos podem ter várias origens, incluindo mal-entendidos nos quais as pessoas podem, involuntariamente, magoar ou ofender outras pessoas, conduzindo a tensões e disputas; conflitos entre os empregados e os seus supervisores em que decisões de liderança, feedback ou avaliações de desempenho podem causar fricção; bem como questões interpessoais em que as diferenças de personalidade, estilos de trabalho ou valores podem conduzir a conflitos interpessoais entre os membros da equipa. Estes conflitos, se não forem resolvidos, podem afetar negativamente a moral, a produtividade e o ambiente de trabalho em geral dos trabalhadores.
O perdão pode desempenhar um papel crucial na resolução de alguns destes conflitos. No caso específico dos conflitos interpessoais, o perdão tem demonstrado resultados benéficos:
- nos trabalhadores - melhorando a saúde física e psicológica e diminuindo o burnout;
- nas relações diádicas - através da reintegração do transgressor e da manutenção da relação;
- nas organizações - através da satisfação no trabalho, do compromisso organizacional afetivo e da diminuição das intenções de rotatividade.
Uma equipa de investigadores liderada por Maria Francisca Saldanha, Professora da CATÓLICA-LISBON, estuda a forma como o perdão pode atenuar os conflitos interpessoais em contexto de trabalho.
"A ideia base do projeto Ajudar os indivíduos a recuperar de transgressões interpessoais: Uma intervenção para promover o perdão [financiado pela FCT, 2020] baseou-se na necessidade de desenvolver ferramentas que as pessoas possam usar para as ajudar a perdoar, se o quiserem fazer. O objetivo final deste projeto é fornecer ferramentas a indivíduos que desejem envolver-se no processo de perdão, mas que estejam a enfrentar desafios e possam beneficiar de apoio. É essencial que este processo seja sempre voluntário, uma vez que provas substanciais da psicologia social e da literatura terapêutica indicam claramente que, quando o perdão não é voluntário, tende a ser menos benéfico. A investigação sobre o perdão encontrava-se, na altura, numa encruzilhada, com algumas divergências sobre o que é o perdão e a melhor forma de o avaliar. Assim, propusemos um programa de investigação que promove uma compreensão mais profunda do conceito de perdão, fornecendo uma nova concetualização e uma nova medida, ao mesmo tempo que utilizamos estes conhecimentos como base para desenvolver e testar uma intervenção teoricamente fundamentada.
A ideia para o projeto FCT era algo que estava a ser considerado há muito tempo, com base em extensas discussões da equipa. Reconhecemos a importância do trabalho, que se baseou nas nossas intervenções e publicações anteriores relacionadas com a gestão de conflitos e o perdão e os seus benefícios para as pessoas. Outro aspeto crucial do desenvolvimento do projeto foram as reuniões com a equipa de gestão do CUBE, que forneceram informações valiosas sobre os requisitos técnicos e a forma de apresentar a informação de forma eficaz. O projeto recebeu um feedback positivo do júri, que destacou a sua estrutura bem organizada e o seu potencial para dar contributos tanto a nível científico como prático.
A obtenção de financiamento para este projeto foi da maior importância, uma vez que assegura um investimento contínuo e orientado nesta área de investigação. Sem financiamento, a investigação poderia dispersar-se ao longo do tempo e, em certa medida, perder relevância. Seria também mais difícil efetuar alguns estudos que exigem mais recursos, como é o caso das intervenções. Além disso, os recursos proporcionados pelo financiamento asseguram o envolvimento significativo de toda a equipa de investigação no sucesso do projeto, com base nas respetivas dedicações e papéis." - Maria Francisca Saldanha
O conceito de Perdão
Apesar da importância do conceito, a questão "o que é o perdão?" carece de uma definição unificada, resultando em diversas perspetivas e medidas nos estudos de investigação, limitando significativamente a sua aplicação prática. A confusão surge, nomeadamente, quando o perdão é confundido com a reconciliação, o que pode, por vezes, expor os indivíduos lesados a mais danos. As várias conceptualizações do perdão têm origem em estudos indutivos, onde o entendimento da população leiga influenciou fortemente o conceito, contribuindo para uma confusão considerável entre o público relativamente à natureza do perdão.
No artigo Conceptualizing forgiveness: A review and path forward, Maria Francisca e os membros do seu projeto Daniel Brady e Laurie Barclay definem o perdão como uma regulação emocional que ocorre no contexto de uma transgressão interpessoal, na qual as emoções negativas em relação a um transgressor são reduzidas e/ou as emoções positivas em relação a um transgressor são aumentadas.
"O foco numa abordagem de regulação da emoção é crucial quando se define o perdão no contexto do local de trabalho. No comportamento organizacional, muitas vezes estudamos o comportamento como um resultado, e as definições anteriores de perdão que incorporam dimensões externas, como comportamento ou intenções comportamentais, causaram confusão com outras construções bem estabelecidas, como comportamentos de trabalho contraproducentes ou vingança, que são distintos do perdão. Ao definirmos o perdão como um processo interno, separamo-lo de vários outros constructos, permitindo previsões mais precisas.
Além disso, a separação entre emoções negativas e positivas permite-nos explorar uma série de questões que anteriormente eram difíceis de estudar devido a conceptualizações mistas. Por exemplo, podemos agora investigar se alguns indivíduos experimentam principalmente uma redução nas emoções negativas durante o processo de perdão, com um aumento mínimo nas emoções positivas, e como esta abordagem pode ser fundamental para seguir em frente. Como outro exemplo, a investigação clínica inicial indica que a experiência de emoções positivas e negativas elevadas em relação a um transgressor, conhecida como perdão ambivalente, pode ser difícil de vivenciar - no entanto, as conceptualizações anteriores limitavam muito o seu estudo."
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"A nossa nova concetualização também oferece vantagens técnicas, permitindo medições mais precisas e o estudo do perdão como um processo dinâmico. O perdão não é um evento único, mas uma jornada contínua que varia de acordo com os indivíduos e as situações. Algumas situações podem testemunhar um perdão rápido, enquanto outras podem envolver anos de progresso de ida e volta, em que as emoções negativas diminuem e, por vezes, ressurgem. Estes processos são altamente individualistas, e só diferenciando estas dimensões é que podemos estudar de forma abrangente o processo de perdão." |
Implicações
Conceptualizar o perdão como uma abordagem de regulação da emoção fornece uma visão teórica e empírica do perdão como um processo que envolve emoções negativas e positivas, bem como a influência das emoções atuais e dos objetivos emocionais. Por exemplo, esta abordagem permite a autorreflexão, ajudando os indivíduos a identificar lutas e estratégias eficazes para melhorar a regulação das emoções e facilitar o perdão. Estes conhecimentos também oferecem orientações valiosas aos líderes para apoiarem efetivamente os seus colaboradores durante e após os conflitos. Para cultivar uma cultura de perdão e compreensão, as organizações também podem potencialmente adotar uma abordagem de liderança servidora (servant leadership). Este estilo de liderança dá prioridade ao bem maior e implica que os líderes ajudem ativamente os empregados a resolver as suas preocupações e a lidar com os desafios diários.
No âmbito do projeto, a equipa de investigação utilizará estes conhecimentos para identificar pontos de intervenção, oferecendo orientações práticas para promover o perdão. De facto, embora o perdão seja muitas vezes reconhecido como uma estratégia eficaz de gestão de conflitos que pode não só diminuir o impacto prejudicial do conflito interpessoal, mas também promover o bem-estar e a produtividade, muitos trabalhadores têm dificuldade em perdoar.
Aproveitando a experiência de investigação anterior em intervenções de escrita expressiva - uma técnica de escrita guiada para processar experiências aversivas - o projeto propõe uma nova intervenção explicitamente adaptada para promover o perdão. Esta intervenção visa os fundamentos emocionais da raiva e da compaixão que são centrais para o perdão, ao mesmo tempo que aborda os aspetos temporais através da aplicação de estratégias de regulação da emoção através da escrita guiada. Os investigadores enfatizam a relação custo-eficácia e a auto-aplicabilidade da intervenção, o que se alinha com o seu objetivo de ampla acessibilidade. O estudo irá recolher dados, permitindo uma análise do processo de perdão ao longo do tempo e da eficácia do protocolo a longo prazo.
Para além da disponibilidade de intervenções auto-aplicáveis, a incorporação de protocolos validados em programas de formação existentes, ou a realização de workshops autónomos, tais como workshops de gestão de conflitos ou de perdão, podem também trazer vantagens significativas para as organizações. Ao integrar estes conhecimentos nos seus processos de resolução de conflitos, as organizações podem aumentar a eficácia dos seus esforços de gestão de conflitos e apoiar os colaboradores ao longo do seu percurso para a resolução, mesmo depois de os procedimentos formais terem sido concluídos.
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Maria Francisca Saldanha, Professora na CATÓLICA-LISBON
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"Atualmente, as empresas dispõem de inúmeras oportunidades de formação, o que lhes permite incorporar sessões centradas nas competências de regulação das emoções, como a formação em mindfulness. Além disso, os programas de formação que direcionam os indivíduos para o presente ou para o futuro, em vez de se deterem no passado, e que os equipam com estratégias para atingirem as emoções desejadas, podem contribuir para um local de trabalho mais funcional e saudável que aumenta o bem-estar dos funcionários. A formação também pode ajudar a esclarecer que o perdão é voluntário e não está ligado a comportamentos específicos em relação ao transgressor, reduzindo os equívocos e promovendo uma melhor compreensão do perdão. Esta formação pode dissipar equívocos e abrir caminhos para a compreensão do perdão a um nível mais profundo, sem negar a necessidade de outras medidas por parte da empresa para resolver problemas graves." |
Além disso, embora o perdão ocorra principalmente no interior de um indivíduo, pode ter consequências externas. Por exemplo, o perdão pode fomentar atos de reconciliação, melhorar a comunicação, reforçar a colaboração e promover o restabelecimento de relações danificadas por transgressões passadas. Embora não seja garantida, a reparação de relações pode fortalecer o trabalho em equipa e criar um ambiente de trabalho mais coeso, contribuindo, em última análise, para o aumento da produtividade.
Para ler o artigo de investigação completo visite a página do Journal of Organizational Behavior aqui.
Artigo escrito por Daniela Guerra, Comunicadora de Ciência no CUBE