Estudo da Católica-Lisbon aponta pistas para a sua resolução.

A água é um recurso fundamental para a nossa sobrevivência e bem-estar. O abastecimento de água, com qualidade adequada, é essencial e crítico para a produção de quase tudo o que nos rodeia: da agricultura à indústria, da energia aos mais diversos serviços, da saúde à tecnologia. Tratando-se de um recurso indispensável, é necessário repensar os modelos profissionais de gestão da água para potenciar a transformação ecológica de um setor que é imprescindível ao crescimento da economia.

A CATÓLICA-LISBON, no âmbito do Pacto para Gestão da Água em Portugal (iniciativa lançada pelo Center for Responsible Business & Leadership) desenvolveu uma investigação sobre "O Valor Económico da Água em Portugal", liderada pelo meu colega Miguel Gouveia, procurando construir uma visão integrada e uma estratégia de colaboração entre todas as entidades, na procura de soluções sustentáveis para a gestão da água no nosso país.

O estudo foi apresentado na semana passada na Fundação Calouste Gulbenkian e tento aqui fazer um resumo das principais conclusões:

  • Alterações Climáticas e Escassez Hídrica: Um Desafio Global com Impactos Locais
     

As alterações climáticas estão a transformar o nosso planeta de formas complexas e muitas vezes imprevisíveis e uma dessas transformações é a alteração dos padrões de precipitação. Com o aumento das temperaturas globais, a atmosfera consegue absorver e reter mais água, resultando num aumento da precipitação em diversas regiões do mundo. No entanto, esta não é uma realidade uniforme e em algumas áreas, incluindo partes da Península Ibérica, a precipitação tem vindo a diminuir e espera-se que essa tendência se acentue nos próximos anos, aumentando o número de zonas em escassez hídrica.

  • Evolução da Precipitação em Portugal
     

Portugal tem sido um exemplo claro desta disparidade. Nos últimos 20 anos, a precipitação em Portugal diminuiu cerca de 20%, e as projeções indicam uma diminuição adicional de 10 a 25% até ao final do século. Esta redução significativa de precipitação coloca o país numa situação de vulnerabilidade hídrica crescente, exigindo uma resposta eficaz tanto a nível de políticas públicas como de comportamento social.

  • A Escassez de Água como Questão Económica
     

A disponibilidade de água não é apenas uma questão ambiental, mas também económica. A gestão eficiente da água depende de investimentos adequados e de comportamentos responsáveis na sua utilização. A escassez pode ser combatida através de medidas que aumentem a oferta e a eficiência do uso da água, e através de reduções na procura, desperdício e usos de baixo valor. Uma abordagem eficaz passa pela aplicação de preços realistas para a água, alinhados com o seu valor real, custo de oportunidade e necessidade de recuperação dos custos de operação e manutenção das infraestruturas hídricas.

A procura de água é influenciada por vários fatores, incluindo preços, rendimentos, dimensão da população e das famílias. Com o crescimento económico, os rendimentos sobem, e com eles o consumo de água. Embora a população portuguesa deva diminuir cerca de 1% até 2030, o aumento do número de famílias menores (devido à tendência de redução da dimensão média das famílias) levará a um maior consumo per capita, mais do que compensando a redução da população total.

Projetando estas tendências, o consumo urbano de água em Portugal deverá aumentar cerca de 5,7% até 2030. Para manter o consumo ao nível de 2022, o preço da água precisará de subir 25,7%, atingindo uma média de €3,2/m³, refletindo o valor económico da água no consumo urbano.

  • A Água na Agricultura Portuguesa
     

Em Portugal, mais de 70% da água captada é usada na agricultura, um valor que está na média mundial, mas acima da média europeia. A agricultura portuguesa tem experimentado uma revolução, com um forte crescimento do valor da produção e da produtividade por trabalhador. Esta transformação resulta de uma transição da agricultura de subsistência para uma agricultura moderna, intensiva em capital, inovação tecnológica e recursos humanos qualificados. As culturas de baixo valor têm sido substituídas por culturas de maior valor, e a área irrigada tem aumentado.

O valor económico médio da água usada na agricultura em Portugal, a preços de 2022, foi estimado em €0,585/m³, embora exista uma grande heterogeneidade dependendo da região e da cultura. Por exemplo, no Alqueva, em 2022, o valor da água usada no milho foi de €0,2/m³, no olival em sebe €0,68/m³, e no amendoal em sebe €1,17/m³. Fora do Alqueva, o valor da água usada no arroz foi estimado em €0,08/m³, um valor positivo apenas devido às ajudas da Política Agrícola Comum (PAC). Em contraste, no abacate, a água valeu €2,65/m³.

  • Estratégias para Mitigar a Escassez Hídrica
     

Para enfrentar a crescente escassez hídrica, são necessárias estratégias diversificadas. Além de uma melhor utilização dos preços, as opções incluem:

- Aumento da capacidade de armazenamento de água

- Construção de novas albufeiras, aumento da capacidade das existentes, conversão de barragens hidroelétricas para fins múltiplos e adoção da recarga artificial de aquíferos.

- Reaproveitamento de águas residuais

- Investimento em transvases

- Transferência de água entre bacias hidrográficas.

- Melhoria da eficiência das redes de distribuição de água

- Redução das perdas.

- Dessalinização de água do mar

Outra estratégia com potencial de ganhos de eficiência é a criação de mercados de água, onde esta pode ser negociada como um recurso económico, incentivando uma utilização mais racional e eficiente.

  •  Custos, Benefícios e Possibilidades
     

A adoção de medidas e investimentos nas opções mencionadas deve considerar estudos de custo-benefício, avaliando os impactos nas atividades económicas, sociais e ambientais. Nem todos os investimentos nos planos de eficiência hídrica têm uma boa relação custo-benefício. Por exemplo, reduzir perdas no abastecimento urbano pode ser desejável, mas os ganhos possíveis podem ser pequenos. O reaproveitamento de águas residuais pode ser viável no Algarve, mas noutras regiões pode ser necessário avaliar as condições locais. A rede de transvases faz sentido se as barragens ligadas forem geridas de forma integrada para mitigar disparidades sazonais na disponibilidade de água. A dessalinização, apesar de cara, oferece uma segurança valiosa em situações de crise extrema.

Em conclusão, somente com uma gestão eficiente e sustentável dos recursos hídricos será possível garantir a disponibilidade de água para as gerações futuras, promovendo ao mesmo tempo o desenvolvimento económico e a proteção ambiental

Nuno Moreira da Cruz, Professor da CATÓLICA-LISBON