A negociação está muitas vezes rodeada de ideias feitas e crenças que condicionam a forma como nos preparamos e atuamos. Quando pensamos em mitos negociais, surgem afirmações como: “não tenho jeito para negociar”, “a experiência é suficiente”, “a improvisação substitui a preparação”, “negociar é competir”, “negociar é cooperar”, “o segredo é a alma do negócio”, “mentir faz parte da negociação”, ou ainda “nunca devo fazer a primeira proposta” e “devo sempre fazer a primeira proposta”.

Estes mitos são generalizações que dificultam uma prática eficaz da negociação. Como tal vale a pena analisá-los, para melhor percebermos o que realmente conta para conseguirmos resultados negociais optimizados.

Mito 1 - Não tenho jeito para negociar

Uma crença comum é que a capacidade para negociar é algo inato. Contudo, esta visão é enganadora. A competência negocial constrói-se através de prática, feedback e aprendizagem contínua. Na realidade, não nascemos bons negociadores, tornamo-nos bons negociadores. Inteligência e talento são apenas o ponto de partida, o resto consegue-se com dedicação, trabalho árduo e treino.

Mito 2 – A experiência é suficiente

A experiência tem o seu valor, mas não é suficiente. Se confiarmos apenas na experiência podemos cair nas seguintes armadilhas:

• Perceber o que funciona sem perceber porque é que funciona, o que limita a adaptação às circunstâncias;

• Dividir a aprendizagem por sectores de actividade (ex: negociar na grande distribuição é diferente de negociar na banca?) em vez de estruturar a aprendizagem por tipo de problema (ex: negociação única versus negociação recorrente);

• Assumir que o sucesso foi atingido sem cometermos erros, o que limita a aprendizagem e nos torna arrogantes;

• Uma experiência de 10 anos pode ser 1 ano de aprendizagem e 9 anos de repetição do que aprendemos no ano 1;

• Podemos tornarmo-nos grandes especialistas nos nossos próprios erros!

O processo de negociação exige treino disciplinado, reflexão sobre erros e um esforço consciente de melhoria.

Mito 3 - A improvisação substitui a preparação

A improvisação tem um papel muito relevante numa negociação, mas não pode substituir a preparação. Como disse Benjamin Franklin, “ao falhar na preparação, você está a preparar-se para falhar”. Claro que depois não podemos ficar reféns do plano que traçámos, teremos que ter flexibilidade para lidar com o inesperado que inevitavelmente irá ocorrer. Mas para improvisar temos que estar preparados, a improvisação faz-se em cima do planeamento e não no vazio.

Mito 4 – Numa negociação temos que escolher entre competição ou cooperação

Outro mito recorrente é pensar que negociar é apenas competir ou apenas cooperar. A realidade é mais complexa, pois a negociação tem duas grandes dimensões, distributiva e integrativa. Na dimensão distributiva, o foco está em captar valor — aumentar a nossa fatia do bolo. Já na dimensão integrativa, trata-se de criar valor — aumentar o bolo total. A chave está em equilibrar estas duas dimensões: considerar os interesses dos outros sem abdicar dos nossos. Ou dito de outra forma, negociar é simultaneamente competir e cooperar!

Mito 5 - O segredo é a alma do negócio

A expressão popular “o segredo é a alma do negócio” pode induzir em erro. Na verdade, o essencial é distinguir aquilo que deve ser mantido em segredo do que pode ser partilhado. Muitas vezes, a partilha mútua de informação é o alicerce para criar valor em conjunto. É na partilha de informação que se passa de posições negociais rígidas e inconciliáveis para os interesses (necessidades, desejos, preocupações) tantas vezes conciliáveis e flexíveis.

Mito 6 – Mentir faz parte da negociação

Outro mito perigoso é acreditar que mentir faz parte de qualquer negociação. A curto prazo, a mentira pode enganar alguns. Mas, como recorda a máxima “pode enganar alguns algumas vezes, mas não todos todas as vezes”, se a sua postura negocial sacrifica os meios em função dos fins, tarde ou cedo irá ter problemas. Não esqueça que depois do acordo começa a relação que se espera não seja uma ralação. A credibilidade e a confiança continuam a ser pilares fundamentais para relações negociais sustentáveis.

Mito 7 – Nunca devo fazer a primeira proposta

Um dos dilemas clássicos numa negociação é: devo ou não fazer a primeira proposta? O risco é evidente: ao lançar uma proposta inicial, pode errar por defeito ou por excesso. Contudo, se essa proposta for realista e não insultuosa, pode servir como âncora favorável, orientando toda a negociação em torno desse valor. Este fenómeno é conhecido como efeito de ancoragem: em contextos de incerteza, temos tendência para adotar um valor de referência inicial, ajustando as nossas estimativas a partir dele — independentemente da sua credibilidade. Assim, a recomendação é clara: prepare-se bem para poder apresentar uma primeira proposta vantajosa para si, capaz de influenciar o rumo da negociação.

Conclusão

A negociação não é fruto de talento natural, mas sim de preparação, conhecimento, prática e ética. Desmontar os mitos negociais permite encarar cada processo negocial com maior consciência e eficácia, chegando assim a acordos para ganho mútuo.

 

João Matos, Professor na CATÓLICA-LISBON