Portugal vive um dos momentos mais brilhantes da sua história, com Web Summits, galardões internacionais e vitórias em campeonatos e festivais. Mas carregamos problemas graves e sobretudo bombas-relógio que nos ameaçam a prazo. Uma das mais profundas e assustadoras é sem dúvida a demográfica.
Com uma das taxas de fertilidade das mais baixas do mundo, Portugal tem desde 2008 mais gente a morrer do que a nascer e a população em queda desde 2009. Nas previsões da Comissão Europeia, do The 2018 Ageing Report, o nosso país terá em 2070 a mais baixa proporção de população em idade de trabalhar de todos os 28 Estados membros. Esta é uma situação tão extrema e assustadora que a prazo ofusca todos os dramas sociais.
Claro que isto não aconteceu de um dia para o outro, vindo a agravar-se há muitas décadas, com o sinal de alarme a soar há muitos anos. Apesar disso, este caso tão grave em aspecto tão estrutural tem sido largamente ignorado pelas autoridades dos sucessivos governos. Muitos especialistas, associações sociais e pequenos partidos chamam a atenção para o problema, mas ninguém com verdadeiro poder se dedicou com real interesse à questão. Para os dois partidos centrais, ela parece importante, mas sempre num dos pontos interiores dos programas eleitorais e Grandes Opções do Plano, apenas para cumprir a praxe.
Medidas pontuais tem havido várias; ainda há dias o governo subiu de novo o abono de família. Todos se lembram dos 130 euros mensais por criança que o governo Sócrates deu em 2007 e que obviamente não tiveram efeito. No último congresso socialista, o senhor primeiro-ministro pediu um "grande acordo de concertação social" que vise a conciliação entre a vida profissional e familiar, o fomento à imigração e o regresso dos jovens; exactamente aquilo que se costuma dizer quando se pretende fingir tratar de um assunto que continuará esquecido.
Finalmente, na semana passada, um dos dois grandes partidos apresentou algo de sério. O programa Uma Política para a Infância do PSD tem muitos elementos, que não é este o local para analisar, mas o seu aspecto principal é a dimensão. Segundo os autores, custará 400 a 500 milhões anuais quando estiver a funcionar em pleno, mas o último Expresso estima que o gasto seja o dobro, mil milhões por ano. Será que finalmente podemos dizer que temos a classe política a tratar seriamente da questão mais importante do nosso futuro?
Até agora a atenção do debate centrou-se no custo do programa, o que é compreensível, dada a nossa fragilidade orçamental. Mas é preciso lembrar que, se a questão demográfica não se resolver, o desequilíbrio das contas públicas ficará bem pior, não havendo sequer gente para produzir e pagar impostos. Até os grupos de interesse que dominam a actualidade com as suas lutas mesquinhas e furiosas pelas verbas do Estado têm de perceber isto. Os professores, por exemplo, que mais uma vez dão provas de uma infame falta de profissionalismo paralisando o sector em época de exames, devem entender que os aumentos por que agora lutam de pouco servirão quando grande parte deles perderem o emprego por falta de alunos.
Será que a classe dirigente portuguesa acordou realmente para a questão populacional? Ainda é cedo para haver certezas. Afinal, a proposta vem de um partido na oposição e esta temática continua oposta à dinâmica política básica. Por razões meramente eleitorais, a actual democracia tem sido dominada pelos velhos, que controlam a maioria dos votos. Mas mesmo que essa mudança de atitude seja finalmente realizada, ainda estaremos muito longe da solução.
A vantagem de chegar atrasado a um assunto é que existem muitas experiências para copiar. Praticamente todos os nossos parceiros têm aplicado há muito importantes programas de promoção de natalidade, com resultados muito distintos. Existem assim variados fiascos e alguns sucessos para nos ajudar a aprender com aqueles erros e estas lições. Infelizmente, se tivermos em conta a tradição lusitana de políticas públicas, o panorama não parece favorável.
Em termos muitos genéricos, é possível dividir as abordagens aplicadas em dois grandes grupos. O primeiro apoia directamente as famílias, dando-lhes meios e tempo para realizarem a tarefa de criar os filhos, confiando nas escolhas e orientação dos pais; o segundo cria organismos públicos, como creches e jardins--de-infância para tratar das crianças. Conhecendo a nossa classe política e o seu pendor dirigista, sempre desconfiado da capacidade dos cidadãos controlarem as suas vidas, é evidente que será esta última a orientação escolhida. No final, como já acontece na Saúde, na Educação, na Justiça e em tantos outros sectores, teremos enormes aparelhos burocráticos, cheios de funcionários e clientelas, programas e comissões, exigências e manifestações. Então as novas crianças, assim que nascerem, já têm uma enorme dívida para pagar o sistema de promoção da natalidade.
João César das Neves, Professor Catedrático da CATÓLICA-LISBON.