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Gerir melhor

Quinta, Maio 17, 2018 - 16:03
Publicação
Jornal de Negócios

As empresas que negligenciam os processos de tomada de decisão seguem as modas e a velocidade de execução. Estão fascinadas pelo uso da tecnologia.

Li recentemente uma história sobre a forma de gerir reuniões de alto nível na Amazon que me deixou intrigado. 

Aparentemente cada reunião começa com a leitura silenciosa de um memorando de quatro a seis páginas, por parte de todos os presentes. O que me parece curioso é que uma das empresas mais evoluídas tecnologicamente comece as reuniões de alto nível com um dos instrumentos de gestão mais antigos do mundo: o memorando.

Poder-se-ia esperar que as reuniões começassem com apresentação de resultados, de indicadores, e da verificação do cumprimento de metas numéricas. Afinal esses relatórios numéricos devem ser muito fáceis de produzir para a Amazon, eventualmente com recursos a ferramentas de inteligência artificial.

De igual modo o memorando não pode ser substituído por uma apresentação de Power Point. Não. É preciso fazer um argumento na forma narrada.

O segundo aspeto é igualmente curioso. O memorando deve ser lido em silêncio pelos presentes. O que tem alguns significados interessantes. Primeiro, as pessoas têm de estar fisicamente presentes na reunião (não há participantes remotos) para garantir uma participação completa e dedicada. E, em segundo lugar, as pessoas só começam a falar após lerem os argumentos, a narrativa, do promotor da reunião. Essa leitura é silenciosa, o que propicia a reflexão interior.

É paradoxal que num mundo em que o dia de trabalho dos gestores é interrompido em catadupa por emails, mensagens, telefonemas, alertas e notícias, a reunião tenha um momento inicial de 15 minutos a meia hora passado no silêncio de uma primeira leitura de um memorando. E contraditória com a ideia comum de que os gestores não têm tempo para nada, muito menos para ler. O momento de leitura, muitas vezes associado à inação ou ao ócio, é contraditório com a imagem do gestor em permanente atividade e sempre a tomar decisões.

O presidente da Amazon reconhece que a leitura silenciosa em comum de memorandos é um dos aspetos mais estranhos ("weird") da cultura de gestão na empresa.

Um memorando de quatro páginas sobre um tema de decisão pode parecer simples. A realidade é que demora muito tempo a escrever, e é partilhado com muitas pessoas antes de ser apresentado. Por isso é mais difícil de fazer em tempo do que a lista de indicadores de performance regulares usados por uma empresa nas suas reuniões periódicas.

Os instrumentos da tecnologia criam a ilusão de que tudo o que é importante pode e deve ser feito de forma rápida. A crença nas potencialidades da inteligência artificial, por exemplo, para todos os domínios da gestão, cria uma ideia falaciosa: a de que a tecnologia dará aos poderosos os instrumentos para tomarem todas as suas decisões de forma rápida e segura.

O que nós observamos, porém, é uma realidade diferente. As empresas que negligenciam os processos de tomada de decisão seguem as modas e a velocidade de execução. Estão fascinadas pelo uso da tecnologia.

Os problemas de gestão, porém, exigem ponderação, reflexão e respeito por perspetivas diferenciadas, daquelas que só se obtêm numa reunião com várias pessoas. Curioso que seja a Amazon a redescobrir o valor de um bom memorando preparatório.

 

João Borges de Assunção, Associate Professor da CATÓLICA-LISBON.

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