Press News & Events

A China e a verdadeira moeda digital

Sexta, Maio 29, 2020 - 11:15
Publicação
Observador

A China anunciou que vai entrar em testes com a sua criptomoeda, mas isso tem passado quase despercebido até agora, o que é perigoso, pois corremos riscos se nos atrasamos. E os riscos são imensos.

Pois a China anunciou recentemente que vai entrar em testes com a sua criptomoeda, à qual chamam simplesmente de “moeda digital”. Nada que não tivessem vindo a anunciar desde há 3 anos, tendo até referido no verão passado estar prestes a terminar a respetiva blockchain. Por detrás deste sistema estão os gigantes tecnológicos, como o Alibaba e o Tencent.

Mas tem passado praticamente despercebido até agora, o que é perigoso, pois corremos riscos se nos atrasamos. E os riscos são imensos.

Para início de conversa, desta vez, os nossos amigos chineses não têm pejo em anunciar publicamente algo que tenho vindo a partilhar desde há anos com os meus alunos: “A sovereign digital currency provides a functional alternative to the dollar settlement system and blunts the impact of any sanctions or threats of exclusion both at a country and company level”. Então isto não se discute? Será que é um bluff ou um devaneio ligado a uma tecnologia que afinal não passa de um esquema de Ponzi? Mas o risco vai muito para além de o dólar deixar de ser a moeda de referência para comércio internacional, e isso merece uma explicação.

Em primeiro lugar, justifica-se referir que este teste anunciado pela China é bem sério. Será estendido a algumas das maiores cidades e parece envolver um conjunto grande de empresas, incluindo alguns gigantes americanos. O projeto chama-se e-RMB e não é muito diferente do que os chineses já fazem quando utilizam o Alipay ou o WeChat para pagar virtualmente tudo, desde um parque de estacionamento a uma compra em loja. É, aliás, uma vantagem enorme que a China já tem em relação ao Ocidente, pois por cá não há um único sistema de pagamento transversal a todos os países sem passar pelos processadores nacionais ou internacionais (Visa, Mastercard, MB por cá, entre outros). A verdade é que um tal sistema era necessário quando não havia comunicações universais, e também porque o custo da comunicação era muitas vezes superior ao valor da transação. Mas qualquer smartphone é hoje um TPAs seguro, e foi isso que a China aproveitou, sem ter de pagar taxas à Visa e outras redes de pagamento internacionais. Só se pode tentar imaginar porque é que o Ocidente ficou para trás e porque é que o Whatsapp, por exemplo, nunca chegou a avançar com o “roll out” do Whatsapp Pay a nível mundial. Até o Apple Pay não resistiu à tentação de ficar com uma parte das comissões que os comerciantes passaram a aceitar para ter acesso aos pagamentos electrónicos.

Mas na China não é assim, e o novo ambiente de pagamentos digitais generalizados por smartphone pode agora ser utilizado para dar o passo seguinte, e é isso que é perigoso.

Mas então qual é a diferença entre ter o dinheiro digital numa conta bancária, o dinheiro digital do WeChat ou Alipay, e a versão agora proposta do e-RMB?

A conta bancária é uma forma de gerir dinheiro digital de forma centralizada. O WeChat ou o Alipay são como o Revolut, ou seja, a sua liquidez provém e está refletida nas suas contas bancárias, e o dinheiro só sai se for levantado de alguma forma. O e-RMB vem mudar isso tudo.

Vamos ter de imaginar que acreditamos na infraestrutura tecnológica proposta. Com este pressuposto, transferir moeda para e-RMB, esta passa a ter representação digital na BlockChain aprovada pelo regulador chinês. Sendo “trustless”, passa a ter um potencial económico absolutamente avassalador, e muito maior do que a simples substituição do dólar americano no comércio internacional, como se isso fosse pouco. O e-RMB passa a ser a primeira moeda capaz de participar na tokenização de ativos, algo que hoje podemos fazer, mas apenas recorrendo a criptomoedas tradicionais com a volatilidade que se lhes conhece. Ora o RMB está indexado a uma economia inteira, e não é pequena. Mais do que uma stable coin, o e-RMB é a própria coin. Maravilhoso.

Do ponto de vista da regulação, é extremamente simples: o e-RMB funciona como se fosse uma conta bancária, só que é autónomo, e pode activar Smart Contracts, e tornar um conjunto de activos extremamente líquidos, com profundo impacto económico. O primeiro grupo de activos a tokenizar não será com certeza nenhum que necessite de registos, taxas, escrituras e tudo o mais, se bem que até isso pode vir a mudar. O que podemos fazer hoje é trabalhar com activos como acções que têm o seu paralelo já hoje em sistemas informáticos, nomeadamente no sistema financeiro.

O que me preocupa aqui é que quem pode começar a incrementar esta liquidez económica é a China, e não o mundo ocidental. Se o fizermos, será a proveito do e-RMB. Será que a China se está a preparar para tomar o lugar dos EUA na economia internacional? Qual o impacto na nossa geografia?

Paulo Cardoso do Amaral , Professor da CATÓLICA-LISBON 

Related Press News

03/01/2022 - 09:50
Observador
A história dos efeitos duma crise no emprego e no rendimento escreve-se olhando tanto para os empregos destruídos durante a crise como para os empregos criados durante a recuperação. Na passagem de ano comemos 12 passas e pedimos 12 desejos. Muitos...
28/12/2021 - 09:49
Jornal de Negócios
A conjuntura pandémica atual, que exibe um novo pico de infeções no final do mês de dezembro, mais as pressões inflacionistas que se sentem na Economia global são fontes importantes de preocupação e provavelmente serão tema de discussão na campanha para...