Numa era de transição climática, insegurança alimentar e crise da biodiversidade, o oceano surge como um ativo estratégico para as empresas que pretendem ser competitivas, resilientes e relevantes no século XXI.

Estamos às portas da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (Nice, 9-13 de junho de 2025), precedida pela celebração do Dia Mundial dos Oceanos (8 de junho), um marco anual estabelecido pela ONU para recordar o papel vital que os oceanos desempenham no equilíbrio climático, na alimentação, na biodiversidade e na economia global. Este ano, o anúncio do Pacto Europeu para os Oceanos, que será apresentado pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no primeiro dia da conferência, reveste-se de especial importância. Este pacto surge como resposta a uma necessidade antiga: a criação de um quadro político coerente e transversal que reúna todas as políticas marítimas da União Europeia. Numa era de transição climática, insegurança alimentar e crise da biodiversidade, o oceano surge como um ativo estratégico para as empresas que querem ser competitivas, resilientes e relevantes no século XXI.

A proposta do Pacto Europeu para os Oceanos nasceu de uma coligação de entidades liderada pela Fundação Oceano Azul e pelo think tank Europa Jacques Delors. O objetivo é claro: integrar as múltiplas dimensões do oceano - ecológica, económica, social e cultural - num único instrumento político com uma visão estratégica. O Pacto promete alinhar os esforços para restaurar a saúde dos oceanos, aumentar a competitividade da economia azul, reforçar a segurança marítima e promover uma economia regenerativa no espaço marítimo europeu. O documento propõe um plano de ação para o período 2025-2030 e será o ponto de partida para uma nova ambição europeia no mar.

Neste contexto, é fundamental compreender que o oceano não é apenas um espaço físico. É uma infraestrutura natural crítica, um sistema climático essencial, um motor económico com elevado potencial de inovação e uma base para a segurança geopolítica. Sem o oceano, não há regulação do clima, circulação atmosférica, oxigénio insuficiente e biodiversidade estável. A sua degradação é a degradação das condições mínimas de vida no planeta. Como afirma Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul: "O oceano é um órfão da governação internacional. Precisa de algo como o Acordo de Paris".

A economia azul tem vindo a consolidar-se como um dos vetores mais dinâmicos da economia europeia. De acordo com o último Relatório sobre a Economia Azul da UE 2025, a economia azul da UE gerou quase 891 mil milhões de euros de volume de negócios em 2022 e empregou 4,82 milhões de pessoas. Em 2023, a tendência de crescimento manteve-se, com o valor acrescentado bruto (VAB) a atingir 263 mil milhões de euros. Setores como o turismo costeiro, as energias renováveis marinhas (com destaque para a energia eólica offshore), o transporte marítimo e a biotecnologia azul estão entre os que registam um crescimento mais rápido em termos de valor e inovação.

Por exemplo, o setor eólico offshore aumentou o seu VAB em 42% entre 2021 e 2022, atingindo 5,3 mil milhões de euros, e os lucros aumentaram 56%. A UE já tem 18,9 GW de capacidade instalada, o suficiente para abastecer mais de 6 milhões de casas - números que ilustram o potencial transformador das tecnologias baseadas no mar.

Mais recentemente, áreas emergentes como a biotecnologia azul (com aplicações em produtos farmacêuticos, cosméticos e nutrição), a dessalinização inteligente, os sistemas digitais marítimos autónomos, os biocombustíveis marinhos e as soluções baseadas na natureza para a proteção costeira (como as plantações de algas e a recuperação de zonas húmidas) estão a atrair o interesse de investidores e decisores políticos.

Em Portugal, o ODS 14 - Vida submarina - representa um dos compromissos mais ambiciosos, mas também um dos mais difíceis de alcançar. Apesar dos avanços legislativos e diplomáticos, os progressos concretos em indicadores como a proteção dos habitats marinhos, o controlo da pesca ilegal e o financiamento da investigação oceânica têm sido limitados. Portugal tem condições excepcionais para liderar o ODS 14, mas falta ainda um esforço estratégico e sistémico para ligar os múltiplos actores existentes.

Já existem exemplos promissores:

1. A Fórum Oceano, que lidera o cluster do mar em Portugal, tem promovido redes de inovação e a internacionalização da economia azul.

2. O programa Blue Bio Value apoia startups com soluções de biotecnologia marinha e economia circular no oceano.

3. Centros de investigação de excelência, como o MARE, o CCMAR, o Instituto Okeanos e o CIIMAR, produzem conhecimento de ponta sobre biodiversidade, ecossistemas costeiros e novas bioindústrias marinhas.

4. Startups de impacto, como a Oceano Fresco, que trabalha com aquacultura sustentável de bivalves, ou a AquaInSilico, que utiliza modelação digital para otimizar os processos biológicos aquáticos.

Apesar destas iniciativas, o investimento é ainda fragmentado e a articulação entre o sector público, as universidades, o sector financeiro e a indústria é insuficiente para responder aos desafios de escala. O país carece de uma estratégia nacional integrada para a Economia Azul Regenerativa, com objectivos mensuráveis, incentivos fiscais, financiamento estruturado e metas vinculativas para empresas e entidades públicas.

Para as empresas, o oceano é simultaneamente um desafio e uma oportunidade. O oceano é uma oportunidade de negócio sólida em várias dimensões:

  1. Fonte de inovação disruptiva: tecnologias de captura de carbono marinho, alimentos alternativos à base de algas, novos materiais biodegradáveis e sensores oceânicos inteligentes, entre outros.
  2. Gestão de riscos físicos e de reputação: as empresas expostas a riscos costeiros (turismo, energia, infra-estruturas) podem reduzir as perdas e reforçar a sua resiliência climática.
  3. Criação de valor partilhado: operar no oceano permite-lhe gerar impactos ambientais e sociais positivos, o que é essencial para modelos de negócio baseados em ESG e financiamento sustentável.
  4. Acesso a financiamento verde: a Taxonomia Europeia de Financiamento Sustentável inclui actividades ligadas à proteção marinha e à economia azul sustentável, criando condições para atrair capital institucional.
  5. Competitividade internacional: Com 90% do comércio mundial dependente do transporte marítimo e 99% das ligações digitais transatlânticas a ocorrerem através de cabos submarinos, o oceano é um polo geoeconómico fundamental.

 

Investir no oceano é inteligência estratégica. Como salientam vários economistas, as externalidades positivas do oceano - desde o sequestro de carbono à proteção contra catástrofes naturais - têm um valor económico mensurável e ignorá-las é um erro de cálculo para qualquer diretor executivo que pense a longo prazo.

As empresas podem - e devem - contribuir ativamente para a agenda regenerativa do oceano

  • Integrando objectivos marinhos nos seus planos climáticos e de biodiversidade.
  • Estabelecendo parcerias com fundações e centros de investigação especializados (como a Fundação Oceano Azul e a Fundação FAM).
  • Apoio a projectos de restauração marinha e áreas marinhas protegidas.
  • Participar em plataformas colaborativas de inovação azul e créditos voluntários de carbono azul.
  • Desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis baseados nos recursos marinhos.

 

Chegou o momento de passar de uma abordagem extractiva para uma Economia Azul Regenerativa - uma abordagem que vê o oceano não como um recurso a ser explorado, mas como um parceiro vital a ser restaurado e protegido. Esta transformação exige um compromisso multissectorial que envolva governos, empresas, universidades e a sociedade civil. Tendo isto em conta, a CRBL irá cooperar com a Fórum Oceano para explorar formas de fazer avançar o ODS 14 em Portugal, incluindo o desenvolvimento de casos de negócio convincentes para as empresas. Nenhum ator pode, por si só, restaurar os ecossistemas marinhos ou garantir a justiça intergeracional no acesso aos bens comuns do oceano - tem sempre de ser feito em cooperação. O oceano requer visão. E a visão requer liderança. Para os diretores executivos que querem enfrentar com sucesso os desafios do futuro, a integração do oceano na estratégia empresarial é mais do que uma opção - é uma necessidade.

Tenham uma óptima e impactante semana!

Mafalda Sarmento

Responsável pela Sustentabilidade na CATÓLICA-LISBON

Diretora Executiva do Pacto para a Gestão da Água em Portugal

Investigadora e Consultora no Center for Responsible Business and Leadership