A nova Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), aprovada pela União Europeia, está a forçar milhares de empresas, incluindo portuguesas, a transformar a forma como reportam o seu desempenho não financeiro. Desde 2024, mais de 250 empresas no mundo já publicaram relatórios alinhados com os European Sustainability Reporting Standards (ESRS), e muitas outras se seguirão nos próximos meses.
Mais do que uma atualização legislativa, a CSRD representa uma verdadeira mudança de paradigma. O ponto central desta mudança é o princípio da “dupla materialidade”, que exige que as organizações reportem, simultaneamente, os impactos dos riscos e oportunidades que o ambiente e a sociedade representam para os resultados financeiros da empresa e os impactos que as suas operações geram nesses mesmos domínios. Esta abordagem obriga as empresas a repensar a sua noção de criação de valor, passando de uma lógica centrada exclusivamente no desempenho financeiro para uma visão mais abrangente e sustentável do sucesso corporativo.
Naturalmente, este novo enquadramento regulatório levanta desafios significativos, desde a recolha e fiabilidade dos dados ao longo de cadeias de valor complexas, até à necessidade de alinhar práticas internas com normas internacionais. No entanto, este contexto mais exigente está também a abrir caminho a soluções inovadoras. Entre elas, destaca-se o conceito emergente do impact accounting, uma abordagem que converte os impactos sociais e ambientais das empresas numa linguagem financeira comparável com os resultados económicos tradicionais.
Na prática, trata-se de quantificar externalidades, ou seja, calcular, por exemplo, o custo ambiental e social de cada tonelada de emissões de gases com efeitos de estufa, ou o valor económico gerado por melhorias nas condições laborais. A monetização destes efeitos permite que investidores, reguladores e consumidores compreendam, de forma objetiva, o impacto monetário das empresas sobre o ambiente e a sociedade.
Por um lado, organizações como a Global Reporting Initiative (GRI), a European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG) ou a International Sustainability Standards Board (ISSB) estão a trabalhar no sentido de medir os efeitos das atividades das empresas, como as emissões de gases com efeito de estufa. Por outro lado, instituições como a International Foundation for Valuing Impacts (IFVI) ou a Value Balancing Alliance (VBA) desenvolvem fatores de monetização destes efeitos, designados de value factors. Com o apoio da Comissão Europeia e da OCDE, a IFVI e a VBA estão a liderar o desenvolvimento de metodologias sólidas para tornar o impact accounting uma prática padronizada e operacionalizável. Esta abordagem já está a ser aplicada em projetos-piloto com empresas internacionais de referência, em colaboração com a VBA, as Big Four (EY, PwC, Deloitte, KPMG) e outros parceiros, abrangendo diversos setores de atividade. Paralelamente, redes como o World Economic Forum (WEF), o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) e a Capitals Coalition, entre outras, estão a desenvolver casos de uso concretos, reforçando a dinâmica internacional em torno desta nova forma de medir o valor criado pelas empresas.
Para muitas empresas portuguesas, que estão agora a enfrentar pela primeira vez as exigências da CSRD, o impact accounting pode ser mais do que um instrumento de conformidade, tornando-se numa vantagem competitiva e num fator de diferenciação num mercado onde a transparência, a medição de impacto e o propósito corporativo estão a ganhar peso. Incorporar custos e benefícios sociais e ambientais na tomada de decisão empresarial permite atrair talento jovem, capturar capital sustentável e reforçar a confiança de diferentes stakeholders.
É certo que persistem obstáculos, desde a qualidade e disponibilidade dos dados até à complexidade metodológica na medição de impactos subjetivos como o bem-estar dos colaboradores, mas também se abre uma oportunidade estratégica para Portugal se posicionar na linha da frente desta nova fase de reporte empresarial. Para isso, será fundamental promover a colaboração entre empresas, academia, reguladores e organizações da sociedade civil. Foi neste sentido que a Católica-Lisbon, através do Center for Responsible Business and Leadership, lançou no dia 3 de junho a primeira conferência sobre impact accounting realizada em Portugal. Um evento que reuniu académicos, líderes empresariais e especialistas internacionais para refletir sobre a transição do reporte não financeiro tradicional para a metodologia de impact accounting.
Nas palavras de Christian Heller, CEO da VBA, o “impact accounting é o próximo passo essencial para acelerar a transformação das empresas”. Ao ligar os impactos ESG à gestão e ao valor económico da empresa, esta abordagem complementa os ESRS e reforça o sentido estratégico do reporte, passando de uma obrigação a cumprir para a criação de valor corporativo.