Cinco áreas onde podem existir mudanças e quais

Já não restam dúvidas. Por melhores esforços que a Europa esteja a fazer na Inteligência Artificial (I.A.), e que a Índia procure também emergir na Ásia, a liderança nesta vertente tecnológica que atravessa todos os setores de atividade irá decidir-se entre os Estados Unidos da América (E.U.A.) e a China. Será a nova corrida à Lua (ver aqui artigo sobre o tema).

Pessoalmente creio que a Europa faz bem em definir alguma regulação sobre a I.A. (o tão falado "AI Act") mas também acelerá-la (curiosamente um muito menos falado Plano Coordenado para a Inteligência Artificial, assente em 4 eixos: assegurar que a IA serve os cidadãos, afirmar a liderança da União Europeia na IA em vários os setores, conseguir que empresas de todas as dimensões possam desenvolver soluções de IA e não apenas as grandes, e por fim que a Europa seja o lugar certo para atrair o máximo de agentes para desenvolver cada vez mais soluções nesta área.

Mas e a “América”? E em particular agora, a América de Trump?

Let’s Make America Great Again… in AI

O slogan da campanha de Trump “Let’s Make America Great Again” tornar-se-á o chapéu para várias indústrias. Mas aquela que todas atravessa, do Automóvel à Banca, do Aeroespacial à Biotecnologia, etc,, é inquestionavelmente a I.A. E é por isso que muito se irá debater sobre ela nos próximos 4 anos debaixo do mandato de Trump (e já se especula com ou sem Elon Musk).

Mas não se pense que Musk está do lado da desregulação, ou pelo menos assim indicia o passado recente em que foi contra Sam Altman na OpenAI criticando a orientação da empresa, que estaria desenhada para um fim que não o puro comercial. Aliás, a 14 de setembro de 2023, após uma reunião com vários líderes de empresas tecnológicas e Senadores dos E.U.A., Musk afirmou que "é importante termos um árbitro" para a IA, enfatizando a necessidade de supervisão governamental. Qual o rumo dessa regulação, no seu entender, é que não sabemos. Pelo menos por agora.

1. Revogação da Ordem Executiva de Biden de 30 de outubro de 2023

A primeira medida que se espera seja tomada pela Administração Trump é a revogação da Ordem Executiva de Biden que tentava, em linha com Bruxelas, um desenvolvimento de soluções de IA com algum controlo. Segundo o programa eleitoral e opiniões de Trump, a Ordem impede a real aceleração da I.A. e, acusa ainda o futuro 47.º Presidente, de que além disso impele o desenvolvimento numa linha de ideias esquerdistas radicais. Se haverá nova Ordem ou voltaremos à desregulação, não se sabe.

Um artigo de 26 de julho do jornal francês Le Monde dá conta de que ambos Trump e o futuro vice-presidente J. D. Vance defendem uma desregulação da IA em prol de maior competitividade e que esse é também o caminho para defender o cidadão, e não as empresas tecnológicas incumbentes.

A proximidade de Musk a Donald Trump pode reforçar esta ideia e fazer prever uma nova abordagem em cima da que era proclamada pelos Democratas.

2. Energia... Sem ela não há IA que se cuide

Para gerar uma imagem por I.A. é necessário, atualmente, a mesma quantidade de energia que serve para carregar um smartphone. Não é por isso de estranhar que o tema da I.A. tenha estado colado nalgumas opiniões de Trump ao setor energético: “AI needs tremendous – literally, twice the electricity that's available now in our country, can you imagine?” (Donald Trump a 19 de julho de 2024 na Convenção do Partido Republicano, em Milwaukee, Wisconsin).

Dito isto, não é de estranhar, portanto, o discurso de Trump mais leviano no que às alterações climáticas dizem respeito e porque muita opinião publicada refere que irá mesmo, quem sabe, rasgar o Acordo de Paris e abandonar as metas para a descarbonização, acreditando que de momento essas metas atrasam a produção em quantidade necessária (pelas vias de combustíveis fósseis) para manter a América na frente.

Entre várias pressões, das económicas às internas no partido, ideológicas ou outras, soma-se também esta de nível prático. Energia! Sem ela ou por causa dela. Não pode haver desaceleração no desenvolvimento da IA por razões de falta de energia.

Em breve saberemos.

3. Defesa, pois claro

A revista Time dava conta já em março deste ano dos avultadíssimos investimentos dos E.U.A. em Inteligência Artificial. Aliás, desde o início da guerra na Ucrânia fomos vendo as evidências do poderio militar norte-americano e como foi crítico esse uso para deter a invasão russa, maior em número de recursos humanos (é espreitar online a célebre semana inicial com as tropas russas a caminho de Kiev, que viriam a ser travadas por drones comandados pelas tropas ucranianas).

Só para se ter ideia quer dos montantes, quer da velocidade, refere a Time nesse artigo que falamos de contratos relacionados com tecnologia baseada em I.A. a aumentar mais de 1000%, dos anteriores $269 Milhões de dólares em 2022 para $4.3 Mil Milhões em agosto de 2023 (!), se considerarmos que todos os contratos serão cumpridos até ao fim.

Não é, portanto, de estranhar que o tema da segurança tenha sempre tanto eco nos eleitores. Seja pelos afamados temas dos “muros” e da imigração, seja pelas ameaças externas. Trump repetiu em vários comícios de campanha que no seu primeiro mandato a América não se envolveu em guerras e que acabaria as atuais num ápice. O que não quer dizer que a guerra não esteja sempre latente. Mas como Nixon bem percebeu, ninguém nos E.U.A. gosta de ver nem dinheiro gasto fora de portas e muito menos soldados americanos a combater. O que torna de redobrado interesse os vários artigos (destaco este da Associated Press) sobre o futuro da guerra ser cada vez mais feito pela via remota e sem soldados ao comando de aviões, tanques e pés em território hostil.

Ainda sobre a necessidade de segurança – e, neste caso, para o futuro da cibersegurança do país – ninguém deixará de apoiar as medidas, com ou sem I.A.

4. Saúde e Biotecnologia

Se a possível nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para um cargo na área da saúde, conhecido por posições controversas sobre vacinas, tem sido o tema mais popular e que sobressaiu da campanha, fora do tema das nomeações é quase já aceite que a tónica geral será, uma vez mais, na redução de regulamentações para com isso permitir acelerar o desenvolvimento de novos tratamentos e tecnologias.

É de realçar aqui que este setor em particular, da biotecnologia, é dos que apresenta maior dinamismo na inovação e também devido a ela o que maior retorno económico gera a longo-prazo (5 anos). Aconselho a leitura do estudo realizado pela Mckinsey neste artigo, precisamente sobre este tema.

Como Trump parece apreciar pensar em grande e ser grande, e como a I.A. carece dessa escala para gerar um movimento “flywheel” (empresas com mais recursos possuem mais Data e investem mais, crescendo mais depressa), antevê-se por isso uma permissão maior nas fusões e aquisições no setor, em detrimento de espaço a maior concorrência.

5. Automóvel

Aqui será ainda mais interessante ver o desenrolar das medidas a serem tomadas. Se por um lado é verdade que Trump tem Musk ao lado e por aí se antevê que a Tesla possa sair beneficiada (as ações dispararam 31,3% na primeira semana após as eleições), também é verdade que Trump pode anular as medidas de apoio à compra de veículos elétricos e manter o apetite pelos veículos tradicionais a combustão. Ou não...

...pois se esta leitura simplista pode vir a ser aquela a ser cumprida, é preciso não esquecer que as empresas norte-americanas do setor não atuam apenas nos E.U.A., mas sim mundialmente. E deixarem de ter apoios à inovação e aquisição de veículos elétricos pode significar ficarem (ainda) mais para trás na corrida vs. as marcas fabricantes chinesas, que estão claramente a liderar quer na tecnologia quer na adoção e preço (exceção feita à Tesla).

E sobre a Tesla, ou melhor, sobre Musk, convém não esquecer a produção de automóveis Tesla em terras de Xi Jinping e da dualidade que pode vir a ser estar ao lado de Trump num dia e noutro a negociar com Xi... e se poderá vir a ficar num papel de mensageiro e mediador ou de pleno conflito de interesses e entre fogo cruzado com danos colaterais a pesar na Tesla.

 

Ricardo Tomé | Professor da CATÓLICA-LISBON Executive Education