A inovação social, antes de ser um processo que se aprende, um conjunto de ferramentas e metodologias, um modus operandi para pessoas e organizações, é um estado de espírito e uma mentalidade. É uma forma de estar na vida.
O que é que existe de mágico na inovação social que transforma as pessoas que se dedicam a ela? Não sei bem explicar o que é. Mas que há magia, isso há. É como as bruxas.
Quando comecei o meu primeiro projeto de inovação social – a Terra dos Sonhos – uma grande amiga, e uma pessoa a quem atribuía grande sabedoria disse-me que este seria o projeto da minha vida. E eu respondi que também desconfiava que seria aquele que mais poderia mobilizar as pessoas, porque tratava de um tema que as sensibilizava – as emoções de famílias que tinham crianças muito doentes. Mas ela surpreendeu-me quando me corrigiu, dizendo que seria o projeto da minha vida porque, se tudo corresse bem, ele transformaria para sempre a minha vida. Não podia ter mais razão.
Há uma semana, num evento que organizei sobre o tema da inovação social e de como esta pode, também, mudar a vida, e a forma de operar, das próprias empresas, tive a oportunidade de ouvir as intervenções inspiradoras de muitas pessoas que foram desafiadas a participar. O primeiro ato de magia foi que a sala estava muito composta, na tarde de um dia onde Portugal ia jogar no campeonato Europeu de futebol. A partir daí foi um suceder de observações que fiz e que agora partilho com os leitores.
Primeiro, entra um prestigiado Académico, que depois de uma brilhante apresentação com um tema também original – o pragmatismo com valores, que tão bem caracteriza os inovadores sociais -, termina com três minutos inspiradores de Louis Armstrong, com o seu “What a Wonderful World”, e transporta toda a audiência para um estado de espírito muito especial.
A seguir entro eu, a falar de Proust, do Tempo, e da necessidade de sermos pacientes, para darmos a oportunidade à vida de se tornar mais interessante, associando isso à paciência que a transformação social implica.
No final, o máximo responsável de uma plataforma de missão governamental termina, citando uma poetisa americana, para dizer que se não gostamos do que vemos, temos um ótimo remédio – mudar o que vemos. Uma clara alusão ao empreendedorismo, que necessariamente está pressuposto na inovação social.
No encerramento, uma convocatória geral a mantermos, num mundo muito volátil, a perenidade de coisas que não mudam nunca. Nomeadamente, a necessidade da conexão humana.
Há uma alegria, uma emoção positiva, um estado de espírito otimista e profundo, reflexivo e esperançoso, em todos os que estão “deste lado da Força”. E isto acontece porque, na realidade, a inovação social, antes de ser um processo que se aprende, um conjunto de ferramentas e metodologias, um modus operandi para pessoas e organizações, é um estado de espírito e uma mentalidade. É uma forma de estar na vida. Uma em que: 1) sabemos que somos responsáveis pelo mundo que temos; 2) sabemos que temos a capacidade de o transformar para um sítio bem melhor; 3) não vamos esperar que alguém o faça por nós; 4) Não queremos os frutos só para nós; 5) passamos de um para outro desafio, com um sorriso na cara.
Eu não sei o que é esta “magia”. É muito difícil explicar. Diria que, da mesma forma que não se pode conhecer o prazer de mergulhar numa água transparente e translúcida, sem mergulhar, ou sentir o profundo sentimento de satisfação interna, quando damos a mão a alguém, sem darmos o nosso tempo para que isso aconteça, também não existe outra forma de perceber a magia de se resolverem desafios que trazem tantas consequências, e tão difíceis, a pessoas que, a maior parte das vezes, têm tão pouco e precisam tanto de mais cabeças e corações a trabalhar em uníssono, como experimentando fazê-lo.
E, na realidade, é isto que qualquer inovador social quer – que todos se juntem. Que todos possamos adotar esta perspetiva e, desse modo, não ter de haver um lado, um grupo, uma comunidade à parte de outras. Não ter de existir um ou vários modelos de negócios sociais. É esta, verdadeiramente, a ambição e a visão da inovação social – um mundo onde é corrente e normal desenhar qualquer conceito, estrutura, infraestrutura, modelo, produto ou serviço, imbuído de uma consciência dos impactos negativos e positivos que podem gerar, nas pessoas, e no Planeta onde vivem e procurando soluções, de forma colaborativa, para os problemas de todos. Esta utopia é uma utopia viável. É isso que acreditamos. Mas sabemos que temos de ser pacientes. E ir passo a passo. “N’Allez pas trop vite”, como diria Proust.
Pensando agora bem nisto, talvez esta transformação interna, este borbulhar de arrepios “dos bons”, que sentimos quando nos colocamos ao serviço de algo maior do que nós, não seja nada que se pareça com “magia”, no sentido de ser um fenómeno inexplicável, ou misterioso. Se calhar é até bem simples de explicar.
Colocar tudo o que temos ao serviço do bem-estar de todos os que nos rodeiam, é libertarmo-nos da pressão de sermos o centro do mundo, com toda a responsabilidade que isso implica. E com a culpa que sentimos, quando não conseguimos agir de uma forma que seja entendida como “boa”, “adequada” ou “justa”. Tudo se relativiza, quando realmente olhamos para fora de nós, e agimos para mudar o que não gostamos de ver. E algo se transforma definitivamente dentro de nós.
Dar é sempre o melhor caminho para receber, como diz Adam Grant. Quando é genuíno. E isto é válido para qualquer um de nós, sejamos líderes ou não. Mas também é válido para organizações. É fácil entender que organizações que cuidam e protegem os interesses dos seus clientes, colaboradores, fornecedores, acolhendo as suas preocupações como coletivamente válidas e dignas de tratamento, estão a criar sistemas mais saudáveis, que alimentarão efeitos de sinal semelhante entre os seus agentes. Todos recebem aquilo que dão. Mais tarde ou mais cedo. E aqui os líderes têm, naturalmente, um papel fundamental, porque tomam as decisões sobre o rumo que querem dar à sua empresa, e a cultura e ADN que querem imprimir no modo como fazem o que fazem. Querem ser líderes que servem, ou que se servem?
E é para estes líderes que deixo estas perguntas para refletirem: o que aconteceria se conseguissem desenhar modelos de negócio nos quais conseguissem, em simultâneo, gerar lucro e resolver problemas realmente importantes para muitas pessoas? O que aconteceria se a possibilidade de mudar vidas para melhor resultasse diretamente de um negócio que dirige? Só o facto de pensar nestas possibilidades, começa a desenhar a base para a sua materialização. Existem já muitas experiências, ferramentas e conhecimento, para apoiar este novo paradigma, que demonstram que isto é, mais do que possível, necessário. Não vá com muita sede ao pote. Mas se demorar muito, o pote desaparece.
Frederico Fezas Vital, Professor da CATÓLICA-LISBON