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Depois da pandemia: de volta ao futuro?

Segunda, Março 15, 2021 - 19:26
Publicação
Observador

Talvez esta pandemia nos esteja a ajudar a colocar em perspetiva a necessidade urgente de transitar da Produtividade para, por falta de uma palavra melhor, o Bem-Estar.

O nosso foco atual na gestão desta pandemia é, acertadamente, a tarefa imediata de nos fazer ultrapassar estes tempos difíceis e dolorosos. As grandes injeções de capital na economia, e de vacinas nos braços das pessoas, são medidas bem-vindas que, esperamos, vão ajudar-nos a encontrar uma saída do túnel pandémico quanto antes.

No entanto, um sussurro abafado vindo debaixo das nossas máscaras coletivas, está a alertar-nos da nossa falta de preparação para mais turbulência no futuro. Novas pandemias, ruturas tecnológicas e as alterações climáticas são suscetíveis de dar origem a crises mais frequentes, mais rápidas e mais sistémicas. Podemos e devemos esperar uma aceleração, amplificação e convergência destes vetores de mudança. E, apesar do que os aficionados das teorias da conspiração nos querem fazer acreditar, nas suas desesperadas e manipuladoras tentativas de lidar com os próprios medos, não é do interesse nem da capacidade de ninguém gerar e controlar uma agitação em tão grande escala.

A próxima pandemia e/ou a próxima revolução da automatização do trabalho, que já se vislumbra no horizonte, irá, possivelmente, aumentar o número de desempregados e dar origem à classe económica “dos inúteis” como o aclamado historiador Yuval Noah Harari afirma. Sabemos agora que, quando é mesmo preciso, os governos e os bancos centrais podem encontrar formas de manter as “luzes acesas” através de pacotes massivos de estímulos, pagamentos táticos diretos em dinheiro e, eventualmente, o estabelecimento, provável e inevitável, de um esquema de Rendimento Básico Universal mais permanente. Esperemos que estas medidas ajudem a mitigar quedas socioeconómicas e que o engenho dos nossos cientistas nos ajudem a proteger a nossa saúde física. Mas, e a saúde mental?

À medida que enfrentamos o aumento do número de desempregados, as pessoas continuarão a ser, irresolutamente, encorajadas a melhorar as suas competências e a esforçarem-se mais. Isto poderá funcionar durante algum tempo para alguns, porém, eventualmente, a maioria será ultrapassada por tecnologias mais baratas, mais rápidas e por contrações impostas pela crise na procura agregada. Tal como temos vindo a testemunhar durante esta pandemia, as pessoas não só se tornam desempregadas como também ficam sem rumo, uma vez que são confrontadas com os desafios psicológicos que advêm de terem demasiado tempo livre, ficando sem um certo sentido de propósito e estrutura proporcionado pelo trabalho.

Talvez esta pandemia nos esteja a ajudar a colocar em perspetiva a necessidade urgente de transitar da Produtividade para, por falta de uma palavra melhor, o Bem-Estar. É provável que o nosso caminho para este futuro turbulento seja pavimentado por sentimentos de ansiedade, raiva ou depressão. Precisamos começar a debater a capacitação de recursos e talento para embarcar num programa de desenvolvimento humano ambicioso e coordenado, focado nas chamadas soft (core) skills tais como: mindfulness, inteligência emocional, prática de expressão artística, atos de serviço, etc. Isto ajudaria a desenvolver um maior sentido de contentamento pessoal e a fomentar uma relação mais harmoniosa connosco próprios, com os outros e com a natureza. Esta mudança crucial deveria tornar-se muma prioridade estratégica, em torno da qual reconfigurar o nosso instável Contrato Social.

Esta crise, oferece a oportunidade de voltar ao futuro, seguindo um rumo diferente do que estava traçado no final de 2019. O que devemos nós, enquanto indivíduos e comunidades, fazer com ela?

 


Daniele dell'Erba, Docente da Católica Lisbon School of Business & Economics.

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