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O investimento no mercado como jogo

Sexta, Fevereiro 12, 2021 - 15:18
Publicação
Jornal de Negócios

Devem ser dados passos para proteger os investidores vulneráveis, particularmente os jovens e desempregados. A literacia financeira e a empresarial, tal como a ecológica, fazem parte da formação plena dos jovens. Talvez aqui esteja um tópico útil para a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.


A GameStop era uma empresa desconhecida até há bem pouco tempo. A corretora Robinhood também. Pelo menos para mim e decerto para muitos leitores.

A GameStop fechou o ano de 2020 a cotar em bolsa 18,84 dólares americanos. No dia 27 de janeiro deste ano cotou a 347,51 dólares. E à hora a que escrevo está cotada a 51,2 dólares. Calcular taxas de rentabilidade seria muito enganador, por isso não o vou fazer.

Estas oscilações não são normais e refletem muitos fatores. A imprensa especializada que seguiu esta história reportou que se tratou de um “short squeeze” (espremer de curtos). Ou seja, alguns investidores tinham pedido emprestado ações desta empresa para vender. Uma percentagem significativa, talvez superior a 100% das ações disponíveis desta empresa, estava a ser vendida por empréstimo. Um grupo organizou-se dentro de uma secção do reddit, para comprar muitas ações em simultâneo o que contribuiu para fazer subir bastante o preço das ações e forçando perdas significativas para os investidores que venderam curto. Nesta história há mesmo um herói, Keith Gill, que usa uma bandana na cabeça à hippie, e que teve direito a fotografia de capa no Wall Street Journal (WSJ) do dia 30 de janeiro.

Muitos pais ficaram surpreendidos quando contaram a história aos filhos, que não leem o WSJ, e descobriram que não só eles sabiam da história, mas além disso também tinham participado no movimento comprando algumas ações na conta gratuita que têm na corretora Robinhood.

Como muitas das histórias do quotidiano esta permite leituras e lições variadas.

A que me interessa mais é o modo como as denominadas “fintech”, combinadas com o modelo de transação bolsista gratuito que torna as aplicações financeiras praticamente iguais a qualquer outra app de jogos instalada no telemóvel, e ainda as medidas de apoio extraordinário à economia praticadas pelos bancos centrais, em particular a FED e o BCE, criam um ambiente tão propício ao risco e à irresponsabilidade.

Em primeiro lugar, comprar ações de uma empresa é “investir” e não “jogar.” E uma “corretora” não é uma “app” de um jogo de estratégia com dinheiro real. Por muito que alguns políticos demagogos o repitam, o mercado de capitais não é uma economia de casino. Aquele existe para canalizar poupanças individuais ou coletivas para atividades produtivas financiando empresas que desenvolvem atividade úteis e rentáveis.

Em segundo lugar, um certo discurso de empreendedorismo sugere que é possível ter rendimento elevado em pouco tempo e com pouco esforço. A evidência empírica não suporta esse logro. E os exemplos de sucesso empreendedor são o resultado de um esforço de muitos anos de várias pessoas muito trabalhadoras e normalmente também inteligentes. Os ganhos rápidos, sem risco, no mercado de capitais são por isso uma miragem.

Em terceiro lugar, a pandemia e o confinamento criaram períodos longos de inatividade para muitas pessoas que passaram a usar o seu tempo e poupanças no mercado de capitais. A existência de plataformas gratuitas facilitou essa alteração comportamental. Em muitos casos em pessoas vulneráveis sem formação financeira e proteção. Algumas nem sequer saberão que terão de pagar impostos no que ganharam.

Em quarto lugar, a política monetária excessivamente acomodatícia cria condições para oscilações excessivas no preço de ativos financeiros quando, por qualquer razão, racional ou não, um volume grande de investidores decide mudar em simultâneo de uma classe de ativo para outro. Essas oscilações são prejudiciais, em primeiro lugar, para a própria valorização do ativo subjacente, e, em segundo lugar, para os investidores com menores conhecimentos que podem sofrer perdas quase totais. Os bancos centrais são também responsáveis por este episódio.

E finalmente a descoberta de que o mundo em que os jovens vivem é o mesmo do que o dos seus pais. E até por vezes se interessam pelos mesmos assuntos e, pontualmente, seguem as mesmas histórias. Sendo que uns a leem no reddit e outros no WSJ. Embora as sagas narradas possam trocar os papéis de vilões e heróis.

Episódios como o da GameStop sugerem que o mundo está perigoso e instável. Devem ser dados passos para proteger os investidores vulneráveis, particularmente os jovens e desempregados. A literacia financeira e a empresarial, tal como a ecológica, fazem parte da formação plena dos jovens. Talvez aqui esteja um tópico útil para a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.

 

João Borges de Assunção, Professor da CATÓLICA-LISBON. 

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