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Acompanhar a economia portuguesa em tempo real

Autores: João Borges de Assunção e Pedro Afonso Fernandes

A informação contida nas previsões feitas por diversas entidades experientes até ao dia 30 de março sugere que o PIB instantâneo de abril estará entre 3% a 18% dos níveis do 4º trimestre de 2019, sendo o valor consensual de uma quebra de cerca de 10%. Estas previsões também sinalizam o que poderá ser o PIB instantâneo em dezembro, isto é, no final do ano, com uma quebra entre 0.5% e 8% face ao 4º trimestre de 2019.

Introdução

O acompanhamento da economia em tempo real é um problema que exige um equilíbrio entre o uso de informação mais precisa e o uso de informação mais rápida. É também um exercício de conciliação entre informação de natureza quantitativa e qualitativa.

Um aspeto importante a considerar é o objeto do acompanhamento, isto é, se se pretende uma medida de atividade económica corrigida, ou não, de efeitos nominais, sazonalidade, dias úteis e/ou efeitos pontuais. Regra geral, o objetivo é acompanhar a atividade corrigida apenas dos efeitos nominais (evolução dos preços), da sazonalidade (oscilação periódica do nível de atividade) e dias úteis. Porém, no processo de antecipação dos dados divulgados pelas autoridades estatísticas oficiais é preciso decidir se se pretende corrigir o indicador de interesse também de efeitos pontuais como greves, paragens de fábricas, ou catástrofes naturais. O tema é importante porque, por vezes, é mais informativo seguir a atividade corrigida desses efeitos, abstraindo eventuais efeitos temporários e pontuais.

O PIB Instantâneo

Pensar em termos de um PIB instantâneo é por vezes a melhor forma de pensar neste assunto. O PIB instantâneo pode ser definido como o valor acrescentado pela atividade económica num período curto de tempo: um dia, uma semana, um mês ou, como é hábito, um trimestre, e o seu efeito agregado no conjunto do ano. Por exemplo, a tradição das autoridades estatísticas dos EUA é apresentar o crescimento trimestral em termos anuais, em que o PIB trimestral corrigido de sazonalidade e dias úteis se constitui como a medida do PIB instantâneo no conjunto do ano.

No contexto da pandemia da COVID-19 e das medidas de confinamento, acompanhar o PIB instantâneo funciona em vários períodos. Por exemplo, o PIB instantâneo do mês de março pode ser conceptualizado como a média de um PIB quase normal nos primeiros nove dias do mês seguido de uma quebra muito acentuada, mas gradual, a partir desse dia. De igual modo, o PIB instantâneo de abril pode ser pensado como a média de um período de nível muito baixo na primeira quinzena do mês, sensivelmente até à Páscoa (dia 12), seguida de uma ligeira subida a partir dessa data, se bem que moderada na sequência do confinamento e encerramento de atividades no âmbito do Estado de Emergência em vigor até 2 de maio.

Finalmente, o PIB instantâneo do segundo trimestre pode ser pensado como a média do PIB instantâneo nos meses de abril, maio e junho. O PIB instantâneo de maio deverá ser relativamente mais próximo do PIB instantâneo do final de abril. E o PIB instantâneo de junho irá depender da redução gradual das medidas de confinamento ao longo de maio.

Uma das maiores dificuldades do presente contexto económico é identificar o nível de atividade que se pretende aferir. Em 2020 todos os trimestres serão atípicos. E será importante compreender qual o PIB instantâneo que terá mais interesse antecipar e calcular.

Neste contexto, o NECEP decidiu publicar a primeira versão pós pandemia das previsões para 2020 na forma de uma quebra anual. No cenário central, essa quebra é de cerca de 10%. Este cenário tem implícita uma ligeira quebra de atividade no primeiro trimestre, seguida de uma quebra acentuada no segundo trimestre e de uma segunda metade do ano com uma franca recuperação. No entanto, no presente contexto de elevada incerteza, outros cenários são possíveis, quer em termos de contração do PIB conjunto de 2020, quer na forma como o PIB evoluirá ao longo do ano. Ora, a trajetória do PIB instantâneo pode descrever esses vários caminhos possíveis.

Estamos, assim, numa situação em que acompanhar a atividade económica tem o duplo objetivo de medir quão fundo descerá essa atividade em termos instantâneos, mas também quão rápida será a recuperação até ao final do ano após a quebra associada ao confinamento.

A Informação Contida nas Previsões das Várias Entidades

A economia portuguesa é acompanhada em tempo real por diversas entidades. Para além de organismos oficiais como o Banco de Portugal, a Comissão Europeia ou o Fundo Monetário Internacional, existem entidades de natureza muito diversa onde se incluem bancos, agências de rating, institutos e universidades que produzem regularmente estimativas para o PIB e demais agregados macroeconómicos. Há, depois, outras entidades a jusante que compilam as previsões individuais, procurando encontrar um consenso entre forecasters. A Focus Economics, sedeada em Barcelona, é uma dessas entidades que conta com a colaboração regular do Católica Lisbon Forescasting Lab (NECEP) entre outras entidades.

Neste contexto, a sucessiva revisão das previsões produzidas pelas entidades que integram o painel da Focus Economics, realizada com periodicidade mensal, constitui uma importante fonte de informação sobre o estado da economia portuguesa em tempo real, podendo fornecer uma indicação dos vários cenários que se colocam em termos de PIB instantâneo. O facto de se tratar de informação de natureza quantitativa também se reveste de redobrado interesse.

As entidades que seguem a atividade da economia portuguesa sintetizam normalmente a sua avaliação num indicador que se consubstancia numa previsão do crescimento anual da economia. Nesse sentido, a redução brutal do ponto central das previsões de todas as entidades tem subjacente uma perspetiva da redução do PIB instantâneo nos períodos sujeitos a confinamento severo seguidos de recuperações, para patamares menos gravosos, quando as medidas de combate à pandemia forem menos indiscriminadas ou mesmo quando desaparecerem (quase) por completo.

Nesse sentido, a revisão das previsões das várias entidades corresponde à sua leitura sobre a evolução do PIB instantâneo ao longo do ano, sendo possível traçar diversos cenários evolutivos de acordo com a intensidade dessas revisões de acordo com o sugerido pelo gráfico seguinte:

De imediato, é de salientar a sincronização com que as previsões das diversas entidades foram revistas em forte baixa em março último. Existe, assim, um inequívoco consenso em torno da existência e da profundidade desta recessão. Mesmo a Oxford Economics, a entidade menos pessimista, ajustou a sua previsão do PIB para Portugal em montante compatível com uma queda do produto de cerca de 3% em abril face a março, um valor historicamente elevado. No caso do NECEP, essa variação instantânea em abril é próxima dos -17%, sendo ainda de salientar a queda de cerca de 11% implícita na revisão da estimativa de crescimento anual do ISEG de +2.0% para -6.0%.

É útil desenvolver este exercício também para as previsões mediana e do consenso da Focus Economics, bem como para os pontos extremos. Assim, a previsão mediana sinaliza uma contração instantânea do PIB próxima dos 10% em abril, com o consenso a limitar essa perda a cerca de 9%. Mesmo os forecasters mais otimistas, representados pela previsão máxima, antecipam perdas instantâneas próximas dos 4%. Já os menos otimistas, como é o caso do NECEP, apontam para perdas mensais no limiar dos 20%. Tal decorre da situação extraordinária de confinamento a que a economia portuguesa foi sujeita desde meados de março e que motivou o encerramento de diversas atividades, bem como a colocação de um milhão e cem mil trabalhadores em situação de lay-off.

A informação contida nos Dados Qualitativos

Para além desta informação de natureza quantitativa, os inquéritos de conjuntura, produzidos com a aplicação de questionários específicos junto dos consumidores e empresas, fornecem um conjunto de informação qualitativa complementar e não despiciente. Em particular, o Indicador de Sentimento Económico (ESI), calculado pela Comissão Europeia com base num inquérito normalizado aplicado pelo INE, evidenciou uma forte quebra em abril, de acordo com os dados publicados no dia 29. Como sugere o gráfico seguinte, tratou-se do movimento mais brusco observado em apenas um mês no caso de Portugal, com o nível de sentimento a descer a um nível, inclusive, inferior ao das anteriores recessões de 2008-2009 e 2011-2013.

Conclusão

A informação contida nas previsões feitas por diversas entidades experientes até ao dia 30 de março sugere que o PIB instantâneo de abril estará entre 3% a 18% dos níveis do 4º trimestre de 2019, sendo o valor consensual de uma quebra de cerca de 10%. Estas previsões também sinalizam o que poderá ser o PIB instantâneo em dezembro, isto é, no final do ano, com uma quebra entre 0.5% e 8% face ao 4º trimestre de 2019.

A informação contida nos indicadores do ESI, quando considerados isoladamente, sugere por sua vez uma quebra entre 7 e 10% no PIB instantâneo de abril face ao 4º trimestre de 2019.

Os dois tipos de indicadores usados nesta nota dão sinais convergentes sobre a brutalidade da quebra de atividade no início do 2º trimestre deste ano. E, no domínio público, tanto quanto é do nosso conhecimento, não existem outros dados que permitam uma leitura mais rápida do que terá acontecido à atividade económica em abril deste ano.

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