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Qual é o segredo da longevidade das empresas japonesas? A resposta a esta questão está profundamente enraizada no sistema familiar.

Com mais de 1400 anos de história, a Kongõ Gumi, fundada em 578, é uma das empresas familiares mais antigas do mundo. Após ser adquirida pelo Grupo de Construção Takamatsu em 2006, o título de empresa familiar mais antiga passou para a pousada Nishiyama Keiunkan Onsen, fundada em 709 e gerida pela mesma família há 53 gerações. O Japão é a casa da maior parte das empresas familiares com mais de 200 anos. O número de empresas japonesas com mais de 100 anos tem crescido significativamente, passando de cerca de 22.000 em 2006 para mais de 33.000 em 2019. Dessas, quase 90% têm menos de 300 funcionários, reforçando assim a tradição de pequenos negócios familiares no país (Caspary et al., 2024). Qual é o segredo da longevidade das empresas Japonesas? A resposta a esta questão está profundamente enraizada no sistema familiar.

O Sistema "Ie": Uma Estrutura Familiar Única

A cultura Japonesa assenta num sistema familiar que é muito especial, e que pode parecer estranho para as culturas ocidentais, o “ie”, um sistema único que mistura elementos económicos, sociais e religiosos que resultam num modelo de continuidade que torna estas empresas familiares num exemplo de sobrevivência. Este conceito de "ie" não tem uma palavra equivalente em português que capte o seu significado. Quer dizer "casa" ou “lar”, mas no contexto específico da cultura japonesa, é mais corretamente interpretado como "linhagem familiar" ou "núcleo familiar". Representa uma entidade económica cujo objectivo é garantir a continuidade tanto da família, como dos seus negócios ao longo de gerações. 

A reputação da família é a reputação do negócio. O conflito dentro de um grupo não é apenas uma questão individual, visto que os conflitos enfraquecem a posição do líder do grupo, que é responsável pelo grupo externamente e afetam a reputação do grupo como uma unidade. Este aspecto é particularmente importante e, por isso, qualquer conflito dentro da família é cuidadosamente gerido, de modo a evitar que qualquer sinal de conflito transpareça para fora. A reputação da família na sociedade é sinónimo da reputação da empresa. Como tal, a posição e o nome foram e são a base dessa reputação. Após a morte dos pais, o “koshu” (a regra é que seja o filho mais velho) torna-se no chefe da família, assumindo a liderança e continuidade do “ie”.  O “koshu”, é responsável não apenas pela família (todos aqueles que vivem sob o mesmo teto, incluindo filhos solteiros, bem como os filhos casados que ainda não estabeleceram as suas próprias residências por razões financeiras), mas também pelo negócio, garantindo que ambos permaneçam respeitados e bem-sucedidos. 

O “koshu” é responsável pela escolha do seu sucessor e, antigamente, se não houvesse um filho mais velho, este teria que voltar a casar de modo a providenciar um descendente masculino. A falta de um herdeiro masculino era particularmente problemática para famílias nas quais um negócio deveria ser passado para a próxima geração. Nesses casos, a adoção era a próxima opção escolhida para a sucessão. Ao contrário da cultura ocidental, onde a linha de sucessão é preferencialmente limitada a descendentes de sangue,  quando se trata do sistema de “ie”, a sobrevivência da família e dos negócios associados é a prioridade, mesmo que isso signifique adoptar pessoas de fora para manter essa continuidade. Embora o “ie” tenha sido formalmente abolido como entidade legal em 1947, os seus princípios continuam a orientar as práticas familiares e empresariais no Japão. 

A adopção como ferramenta estratégica:

            Quando, no âmbito dos descendentes de sangue, não há um herdeiro adequado, as famílias japonesas optam pela adopção. Esta opção torna o modelo de sucessão japonês deveras distinto e interessante do ponto de vista académico. Esta prática, que remonta ao século VIII, é muito comum mesmo hoje em dia. De facto, anualmente, ocorrem cerca de 80.000 adopções de adultos no Japão. Mas quem são os adoptados? Existem várias opções a considerar, desde logo familiares homens de outros ramos da família; adicionalmente, e seguindo o ditado “não podes escolher os filhos, mas podes escolher os genros”, pode ser um genro; ou ainda um colaborador/gestor de confiança, sendo que nestes casos, caso o potencial sucessor já seja casado, então o casal é adoptado e assume o “ie”. O importante é garantir que o negócio da família continue. Esta adoção é estratégica e permite a transferência contínua da liderança, preservando o “ie”, e garantindo assim o sucesso contínuo e a longevidade da empresa familiar.

Liliana Dinis, Professora da CATÓLICA-LISBON